Início Economia Mais dívida e menos dinheiro para pagar, eis África 2020

Mais dívida e menos dinheiro para pagar, eis África 2020

2020 será um ano difícil para os países que vivem de matérias-primas e têm moedas frágeis porque a tendência macroeconómica vai aumentar a pressão. Angola e Moçambique são dois dos estados nos quais a tendência mais se verifica. A agência de notação Moody’s alerta para a pressão crescente de manter o pagamento da dívida pública. 

O aumento da dívida pública em função do Produto Interno Bruto (PIB) e o custo de servir essa dívida em moeda estrangeira enfraqueceram o perfil de crédito dos países da África subsaariana este ano, refere a agência. A maior parte dos créditos são em moeda estrangeira (euros ou dólares) ou a países como a China e a Índia cujas moedas de referência permanecem estáveis. Em compensação, as moedas africanas continuam a ceder, tornando mais caro o pagamento da dívida ao exterior.

“O aumento da dívida e o peso dos pagamentos desde 2015 têm vindo a enfraquecer os perfis de crédito dos países da África subsaariana”, escreve a Moody’s num relatório sobre o ‘rating’ da região este ano.

No documento, os analistas da Moody’s escrevem que antecipam “uma modesta consolidação orçamental na região, com a média do défice orçamental a melhorar para três por cento do PIB, o que compara com um desequilíbrio das contas públicas de 3,3 por cento em 2019”.

Na análise, a Moody’s explica que, “apesar de esta descida permitir uma melhoria no perfil da dívida, a dinâmica orçamental da média dos países desta região vai continuar fraca, no geral, e deixar estes emissores com, por um lado uma capacidade limitada para implementar medidas contracíclicas de política orçamental e, por outro, com elevados riscos de liquidez devido às elevadas necessidades de financiamento e eventuais derrapagens”.

Assim, continuam, o perfil de crédito continua negativo, “refletindo as expectativas de que as condições fundamentais de crédito vão continuar iguais nos próximos 12 a 18 meses, devido ao progresso limitado na redução de riscos relacionados com os elevados níveis de dívida pública e as necessidades de servir a dívida”, que cresceu a um ritmo elevado nos últimos anos.

A subida do nível médio da dívida, principalmente em países como Angola e Moçambique, tem sido uma das principais notas dos relatórios sobre África; com estes dois países lusófonos a exibirem níveis de dívida pública em função do PIB a rondar os 100 por cento, como aliás acontece com Cabo Verde (mas com a diferença de grande parte da dívida deste país ser concessional).

Em média, a África subsaariana teve quase 60 por cento da dívida em moeda estrangeira em 2019, devido ao aumento na emissão de títulos de dívida em moeda estrangeira (Eurobond) e à redução do montante de dívida financiada com recursos a bancos multilaterais de desenvolvimento (dívida concessional), o que fez com que “a estrutura da dívida se tenha tornado mais arriscada nalguns países como o Quénia, onde a percentagem de dívida concessional no total da dívida externa desceu de 65 por cento em 2013 para 39 por cento em 2018”.

A dívida pública na África subsaariana subiu exponencialmente desde a queda dos preços das matérias primas, no verão de 2014, e atirou vários países para situações de ‘debt distress’ segundo a classificação do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Em 2014, a dívida pública média dos países da África subsaariana estava nos 40,4 por cento, mas desde então, fomentada pelas baixas taxas de juro a nível mundial, e pelo apetite dos investidores por retornos acima da média, bem como pelas dificuldades internas originadas pela descida das receitas fiscais das matérias-primas e necessidade de financiamento do desenvolvimento das infraestruturas, o rácio da dívida face ao PIB aumentou para 54,5 por cento no ano passado e deverá reduzir-se ligeiramente para 51 por cento este ano.

O crescimento económico, diz a Moody’s, “vai continuar sólido a nível global, mas não vai aumentar o rendimento médio das famílias ou aumentar a resiliência económica” dos países africanos, confrontados com um ambiente internacional menos previsível, o que agrava os muitos desafios atuais e torna o crédito soberano mais vulnerável a um evento de risco.

“Mesmo que a região não esteja altamente integrada na economia global através de ligações comerciais diretas, continua exposta porque é muito sensível a mudanças nos preços das matérias-primas e às condições financeiras internacionais”, por isso “a capacidade limitada da maior parte dos Governos para responderem a eventos negativos externos, ainda que de intensidade modesta, aumenta a sensibilidade a um ambiente global mais negativo”, realçam os analistas da Moody’s.

Os países, claro, têm situações diferentes, admitem, exemplificando que o nível de dívida no Botswana continua baixo, mas salientam que o principal problema é que “a tendência geral implica que os países emissores de dívida em África têm menos espaço orçamental para absorver os choques”.

O elo mais fraco

Angola, Gana e Quénia têm dos perfis orçamentais mais fracos, quando analisada a combinação entre a dívida elevada e o custo de servir essa dívida, e no caso de Angola, apontam, “a depreciação da moeda nacional, o kwanza, contribuiu para uma subida de 23 pontos percentuais no rácio da dívida apesar de um excedente orçamental razoável”.

O crescimento económico, ainda assim, deve “acelerar de forma modesta”, para 3,5 por cento este ano, o que representa um ligeiro crescimento face aos 3,1 por cento registados no ano passado, e a expansão não é ainda maior devido ao crescimento fraco das maiores economias da região, Nigéria e África do Sul.

Tirando estes dois países, o crescimento médio da região seria de 5,3 por cento, o que, conjugado com um crescimento populacional de 2,5 por cento, significa que o crescimento das economias não é suficiente para melhorar os níveis de rendimento de forma significativa, atrasando o desenvolvimento sustentável desta populosa região mundial.

Uma das respostas que pode desequilibrar a balança a favor de África é a implementação do African Continental Free Trade Area (AfCFTA), que tem “o potencial de aumentar as perspetivas de crescimento económico a médio prazo”, aumentando as receitas e reduzindo a volatilidade do crescimento da região.

No entanto, alerta a Moody’s, “os países com uma base de produção maior e com infraestruturas melhores, como a África do Sul, ou o Quénia, vão provavelmente beneficiar mais da integração comercial regional do que os países com infraestruturas subdesenvolvidas”.

Por outro lado, concluem, “as barreiras não tarifárias vão manter o custo da integração regional elevado, e vão assim limitar os benefícios gerais da implementação” deste acordo que as autoridades internacionais consideram ter uma importância fundamental para o crescimento económico sustentável em África. 

Mário Baptista 17.01.2020

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