Macau é, em vários aspetos, fruto de uma soma de improbabilidades históricas.
Ao longo dos séculos emergiu aquilo que Kai C. Fok designou de “Fórmula de Macau”, de acomodação de interesses chineses e portugueses numa dinâmica de jogo de soma positiva em ambiente que foi, quase sempre, de co-existência pacífica e tolerância. Não obstante as transições dinásticas (Ming para Qing) e de regime (República da China para República Popular da China), vários aspectos deste modelo prevaleceram. Um equilíbrio quase intangível entre vários atores internos e externos em que a estabilidade se mistura com esse “Dragão de Fumo” de que fala o romancista João Aguiar – uma realidade em constante mutação. É também esse “Pequeníssimo Dragão”, do estudo de Conceição Gomes e Boaventura de Sousa Santos. Uma realidade só possível através da constante negociação, numa sociedade em que uma miríade de associações ocupa um espaço central em ambiente de sólida identidade chinesa generalizada.
Foi assim que chegámos a 1999. E é esse percurso passado que acabou por moldar o que têm sido estas primeiras duas décadas de Macau como Região Administrativa Especial da RPC.
O processo de modernização e desenvolvimento desde 1999 trouxe um ciclo de prosperidade que fez emergir novos grupos sociais e uma sociedade com maior consciência cívica, ao mesmo tempo que a guinada provocada pelo crescimento económico gerou desequilíbrios e novos problemas sócio-económicos. A lógica rentista e oligárquica– que tem origem na fase antes de 1999 – está enquistada no sistema e adensou-se nestes anos, constituindo um obstáculo a um modelo mais sustentável e socialmente mais justo. É importante, neste sentido, dar sinais de maior inclusividade na representação nos órgãos políticos. As escolhas de Ho Iat Seng para o Conselho Executivo indicam um passo positivo de rejuvenescimento do órgão consultivo de topo do Chefe do Executivo, mas ficam aquém de um necessário alargamento da representatividade que saia da zona de conforto dos grupos e associações do “establishment. Vozes mais diversas permitiriam pluralidade e maior capacidade de correção do erro.
Na avaliação positiva da forma como tem sido implementado o princípio Um País Dois Sistemas, há também que refletir sobre os desafios futuros.
Além do elogio ao modelo de Macau e do ambiente de orgulho patriótico, na visita de Xi Jinping a Macau na próxima semana será importante a projeção de uma visão para o futuro que seja inclusiva e abrace as especificidades e características diferenciadoras desta cidade que tão bem servem os interesses das várias comunidades que aqui vivem como enriquecem a nação. A fórmula de Macau é eterna.
José Carlos Matias 13.12.2019