A proliferação de zonas cinzentas, conceitos indeterminados e de natureza vaga constitui terreno fértil para a arbitrariedade da interpretação e aplicação da lei.
Quanto em causa estão matérias relacionadas com a privacidade dos cidadãos, dados pessoais ou direitos e liberdades individuais, é preciso usar pinças na formulação das leis. Daí que o processo legislativo deva levar o seu tempo, passando por várias fases que o tornem escrutinado por vários atores sociais e instituições. Isto para reduzir ambiguidades que futuramente possam abrir caminho a abusos por parte das autoridades.
Para limar arestas e prevenir esse cenário, o papel da sociedade civil e da Assembleia Legislativa (AL)é fundamental, de forma a que sejam colocados contrapesos que corrijam excessos de zelo.
A proposta de lei da criminalidade informática que se encontra em debate em sede de comissão permanente da AL constitui um teste importante. Compreende-se a necessidade de equipar Macau com novos e melhores instrumentos de combate a um fenómeno – a criminalidade informática – que representa riscos crescentes para as sociedades, economias e estados a nível global. Em todo o caso, há que acompanhar o alerta deixado pelos deputados que estão a rever a proposta de lei. O documento contém aspectos ambíguos e é preciso alterá-lo para eliminar ambiguidades e esclarecer melhor até onde e como poderão as autoridades ir na obtenção de dados armazenados em sistemas externos à Região Administrativa Especial de Macau (RAEM).
À semelhança do que sucede com outros pacotes legislativos – proposta de lei da proteção civil – o papel da sociedade e dos deputados é imprescindível para corrigir e melhorar os diplomas. Deve, aliás, ser reforçado para que existam efetivamente pesos e contrapesos no sistema. Cabe também ao proponente – o Governo – demonstrar maior preocupação e cuidado em assegurar equilíbrios desde o momento em que elabora e apresenta as propostas de lei. Não é isso que tem acontecido em vários casos.
Paralelamente, para que tenhamos um eco-sistema mais saudável, alguns dos watchdogs (entidades de fiscalização) precisam de se transformar verdadeiramente em tigres com dentes que assegurem a transparência e tenham um entendimento abrangente do interesse público e dos direitos dos cidadãos. Vale a pena assim revisitar as funções e atribuições do Gabinete de Proteção dos Dados Pessoais e pensar na autonomização e fortalecimento do serviço de Provedoria de Justiça que funciona dentro do Comissariado para a Corrupção.
O recente reforço das competências da Comissão de Fiscalização da Disciplina das Forças de Segurança foi um passo em frente. O futuro executivo liderado por Ho Iat Seng precisará de dar outros de modo a que a transparência e não seja uma palavra oca.
José Carlos Matias 01.11.2019