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Eppur si muove

A ideia de progresso está intrinsecamente ligada à de modernidade. De uma forma simples pode resumir-se à noção de um processo cumulativo em que a fase mais recente é normalmente vista como qualitativamente superior. A ascensão da ciência e tecnologia na Renascença abriu as portas a uma percepção infinita de progresso. O Iluminismo acendeu a fé na razão científica, liberdade individual, tolerância e direitos do homem. De uma forma ou de outra, com contradições, avanços e recuos ao longo dos últimos dois séculos a tendência saliente à escala global tem sido de expansão destes princípios e valores.
O princípio da igualdade e da não-discriminação passou a estar presente nas leis fundamentais um pouco por todo o mundo, apesar das grandes dificuldades em garantir o respeito na prática por tão nobres preceitos. Em todo o caso, certo é que estamos perante uma pedra basilar da modernidade, humanismo e dignidade humana. Esta mesma tradição está vertida na Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau, no artigo 25o: “Os residentes de Macau são iguais perante a lei, sem discriminação em razão de nacionalidade, ascendência, raça, sexo, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução e situação económica ou condição social”. Contrariamente ao que já sucede em vários países e jurisdições, Macau não contempla na lei fundamental a referência à não-discriminação por orientação sexual. No entanto, como é salientado pelo jurista José Álvares na reportagem de fundo desta edição do PLATFORMA, o que é elencado é exemplificativo e uma interpretação mais abrangente é não apenas legítima como consonante com o espírito subjacente a este artigo do capítulo dos direitos e deveres fundamentais da Lei Básica. Além do mais, a Lei das Relações Laborais de 2008 já inclui a referência à não-discriminação em função da orientação sexual.
Estando bastante à frente de países e regiões com leis e práticas ostensivamente homofóbicas, Macau ainda tem ainda todo um caminho a percorrer rumo à aceitação social e igualdade de direitos para os cidadãos da comunidade LGBT. Trata-se de um processo que avança a velocidades diferentes e com contornos diferenciados dependendo de factores políticos, culturais e sociais. Nesta zona do mundo, nos últimos anos em Taiwan, sobretudo, e em Hong Kong – a uma menor escala – foram dados passos e tomadas decisões judiciais de sentido progressista. Mesmo na China continental, não obstante os mecanismos de controlo e os problemas que persistem, há sinais de algum espaço crescente para a comunidade LGBT como tem sido exemplo o Shanghai Pride. Eppur si muove (e no entanto move-se).

José Carlos Matias 03.08.2018

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