Início Entrevista “Macau bem como o Fórum podem desempenhar um papel mais ativo”

“Macau bem como o Fórum podem desempenhar um papel mais ativo”

A presidente da AICEP Macau e delegada de Portugal no Fórum Macau, Maria João Bonifácio, defende que o território e o fórum deviam apoiar mais os países de língua portuguesa no processo de exportação de produtos alimentares para a China.

Passado um ano como delegada de Portugal no Fórum Macau, Maria João Bonifácio faz um balanço ao PLATAFORMA do trabalho desenvolvido no território. A também delegada da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP) defende a importância da cidade e do Fórum nas relações entre a China e os países de língua portuguesa, mas ressalva: deviam ser mais interventivos. Maria João Bonifácio defende a criação de mecanismos que levem a que Macau seja realmente uma porta de entrada “privilegiada” para o Continente. A criação de uma “via verde” para os produtos alimentares dos PLP em Zhuhai, a eliminação de direitos aduaneiros e de barreiras não tarifárias são sugestões que deixa.

– Qual é o papel da AICEP e de que forma procura posicionar-se em Macau, hoje? 

Maria João Bonifácio – A AICEP tem um papel central na internacionalização da economia portuguesa. Importa destacar que as exportações portuguesas de bens e serviços contribuem com 40 por cento para a formação do PIB e a expetativa é que nos próximos anos essa percentagem cresça para 50 por cento. 

 – Mas em que assenta a ação da AICEP?

M.J.B. – A promoção da nossa oferta – do ponto de vista das nossas exportações e serviços – e a promoção de Portugal enquanto destino atrativo para o investimento estrangeiro. As atividades desenvolvidas em Macau inserem-se nesta dinâmica. Pretendemos, igualmente diversificar a oferta nacional para setores com maior valor acrescentado e uma posição elevada na cadeia de valor, e nos quais Portugal detém know-how e vantagens competitivas, nomeadamente nas energias renováveis, mobilidade elétrica, eficiência energética, construção sustentável. O investimento para produção industrial angariado pela AICEP, em 2017, atingiu valores máximos desde 2008 com um total de 1,5 mil milhões de euros. Se considerarmos também o investimento em I&DT, 2017 foi um ano de claros recordes, com o valor mais elevado desde 2007, quase 1,9 mil milhões de euros. Trata-se de um recorde histórico. 

– Trabalham em várias frentes, portanto.

M.J.B. – Por último, a AICEP apoia o Turismo de Portugal nas suas atividades promocionais em Macau e Hong Kong, na atracão de turistas para Portugal, aproveitando a plataforma de Macau, que recebe todos os anos milhões de turistas provenientes de vários destinos, principalmente da China Continental.

– São várias as queixas contra a eficácia do Fórum Macau, acusado muitas vezes de ser uma entidade estéril. 

M.J.B. – Começaria por relembrar que o Fórum de Macau é uma estrutura e ao mesmo tempo um mecanismo complementar à cooperação bilateral. Diria que a criação deste mecanismo de inspiração chinesa revela-se uma fórmula vencedora para todas as partes. Permite a Pequim um canal complementar de relacionamento e proximidade aos PLP, utilizando Macau como eixo de ligação face às afinidades entre as partes, por outro concede a Macau uma projeção internacional e importância para Pequim, dando-lhe uma outra funcionalidade que não apenas o jogo. Permite ainda aos Países de Língua Portuguesa atuarem em bloco, fortalecendo a sua posição negocial perante a China. 

– Que tem feito o fórum que tenha contribuído para a aproximação dos territórios e incremento das relações? 

M.J.B. – Destacaria de particular interesse para Portugal a dinamização de projetos de cooperação triangular com a China em outras regiões. 

– Pode dar-me exemplos? 

M.J.B. – Destaco a cooperação entre Portugal e a China no campo da aquacultura em Timor-Leste; a parceria estratégica entre a China Three Gorges e a EDP (Energias de Portugal), com o desenvolvimento de projetos conjuntos na Europa e Améria Latina; a celebração de um memorando de entendimento entre o China Development Bank e uma empresa chinesa, no sentido de explorar a forma de expandir a plataforma logística de Sines, recorrendo a potenciais investidores chineses; as recentes parcerias entre empresas chinesas e portuguesas no setor da construção, nomeadamente a Mota-Engil que ganhou uma obra em Moçambique em parceria com a empresa chinesa China Machinery Engineering para participar num consórcio que será responsável pela construção de uma linha de caminhos-de-ferro que ligará a região mineira de Moatize e Macuse, bem como um projeto para a construção de um porto de águas profundas em Macuse e, mais recentemente, a IP Engenharia que celebrou um memorando de entendimento com o grupo empresarial chinês China Tiesiju Civil Engineering Group – uma subsidiária da China Railway Engineering Corporation (CREC), no âmbito da cooperação técnica. As dinâmicas do Fórum não se esgotam nas vertentes económica e comercial, e este mecanismo de cooperação tem vindo a ganhar novas competências, nomeadamente no domínio da capacitação e formação de quadros bem como no domínio cultural.

– Macau e o fórum são muitas vezes desvalorizados enquanto intermediários. 

M.J.B. – Com a abertura da China ao mundo, é evidente que não é obrigatório ou absolutamente necessário utilizar Macau como intermediário com a China. Porém, em vários domínios, incluindo o comercial, Macau pode, efetivamente, agir como um facilitador deste relacionamento.  

– As empresas também se queixam que em nada ajuda passar por Macau para entrar no mercado chinês. Confirma as dificuldades?

 M.J.B. – A partilha de um passado, de uma língua, de valores comuns, de recursos complementares e de objetivos alinhados posicionam, legitimam e valorizam a RAEM como um parceiro estratégico de Portugal no acesso ao mercado da China. Mas, claramente, é fundamental que as empresas percecionem e valorizem esta realidade como uma oportunidade, e a integrem nos seus processos de internacionalização.

– Nos últimos anos, tem-se assistido a uma entrada massiva do investimento chinês no mercado português. O mesmo não se verifica no sentido inverso. 

M.J.B.  A atracão de investimento estrangeiro para Portugal é um dos pilares críticos para o crescimento económico uma vez que promove a criação de emprego, a competitividade, a integração económica e, em muitos casos, o desenvolvimento tecnológico. Não podemos ignorar a importância e impacto que o investimento chinês teve na economia portuguesa, num momento de maior fragilidade económica. Como sabemos, a China investiu até agora, maioritariamente, na aquisição de ativos em Portugal e é importante garantir que esses investimentos tenham sucesso por forma a transmitir confiança a futuros investidores chineses.  

– A que se deve a desproporção?

M.J.B. – É inquestionável que, no que concerne o IDPE – Investimento Direto de Portugal no Estrangeiro, o nosso posicionamento, enquanto investidor na R. P. da China é, substancialmente, menos expressivo. No entanto e apesar de tudo, Portugal detém investimentos interessantes, nomeadamente no setor automóvel, com as empresas SODECIA – um grupo ligado à indústria de componentes para o setor automóvel, que em parceria com uma empresa chinesa, inaugurou uma fábrica em Dalian, no nordeste da China; o Grupo Salvador Caetano estabeleceu uma joint venture com a Brilliance Auto, uma empresa chinesa do grupo Huachen ligada ao setor automóvel, localizada igualmente em Dalian, para a produção de autocarros de aeroporto, de autocarros elétricos e escolares para o mercado chinês; a Couro Azul, uma empresa que fornece curtumes para a indústria automóvel (Volkswagen, Seat, Citroen, Peugeot, Nissan, Porche, Volvo, etc) e com investimento na Província de Cantão.  

 – E noutros setores?

M.J.B. – Destaque igualmente para setor farmacêutico, presente na China, através do Grupo Hovione, de empresas de base tecnológica, nomeadamente a APTOIDE (Shenzhen), uma start up portuguesa que já é uma das maiores Android App Store do mundo, que conta com mais de 150 milhões de utilizadores e contratos com vários fabricantes de smartphones que vão pré-instalar a aplicação em mais de um milhão de novos equipamentos; a NDrive (Shenzhen), que produz soluções de navegação dos principais operadores de telemóveis, tablets, netbooks ou smartphones; a WETEK (Shenzhen), a Critical Manufacturing. De registar ainda um conjunto crescente de representações comerciais de empresas portuguesas no domínio dos bens de consumo – como a Sumol-Compal, Gallo, Enoporto, Sogrape – bem como escritórios no setor dos serviços.

– De que forma tem beneficiado o país com o investimento chinês?

M.J.B. – De acordo com dados do Banco de Portugal, no final de 2016, o investimento acumulado com origem na China aproximava-se de 1.800 milhões de euros. Embora represente apenas 1,6 por cento do investimento direto estrangeiro total em Portugal, resulta de um crescimento expressivo face a 3,8 milhões de euros registados em 2011. Estudos internacionais remetem para fluxos de investimento superiores durante o mesmo período, estimando que Portugal tenha recebido da China entre 6 mil e 10 mil milhões de euros de investimento e se encontre entre os principais destinos de investimento chinês na Europa. 

– Qual é o destino do investimento?

M.J.B. – Além de aquisições em variados setores económicos, incluindo energia (China Three Gorges, China State Grid), banca (Haitong Securities, Fosun) e seguros (Fosun), saúde (Fosun), águas (Beijing Enterprises Group) e indústria (Zheijiang Huadong Steel, HTGD Hengtong Group, Shandong Taikai Power Engineering, China National Fisheries), a China tem-se destacado pelo volume de investimento imobiliário associado aos vistos gold. Pontualmente, verificaram-se alguns projetos de raiz, por exemplo, em tecnologias de comunicação (Huawei) e na indústria (Cronus International Limited, China Triumph International Engineering). Os investimentos de empresas chinesas em Portugal integram-se em estratégias de acesso a mercados terceiros, nomeadamente na Europa, na América Latina e em África, mas também apostam em certas indústrias de maior procura no mercado nacional e europeu.

– Qual é o balanço e as perspetivas em termos de importações e exportações? 

M.J.B. – É inquestionável a enorme assimetria que existe entre Portugal e a China, tanto do ponto de vista da dimensão geográfica como populacional. Todavia a capacidade de interlocução do nosso país com a China é superior à sua dimensão e peso internacional. Existe um manifesto interesse e predisposição da China em dinamizar o seu relacionamento com Portugal, materializado, entre outros, pelo estabelecimento, em 2005, de uma parceria estratégica global entre os dois países. Registe-se que na Europa, a China tem este tipo de parceria apenas com a Alemanha, Espanha, França e Reino Unido. 

– De que forma se reflete a aproximação em ambas as economias?

M.J.B. – A relevância da China, enquanto parceiro comercial de Portugal, tem vindo a crescer de forma assinalável, constituindo o quarto destino das nossas vendas ao exterior para países extracomunitários e o nosso principal cliente na Ásia. 

– Pode dar-me números?

M.J.B. – Nos últimos anos, a China passou de 28º cliente (2008) das exportações portuguesas para o 11º (2017), com uma quota de mercado de 1,5 por cento. Com base nos dados do Instituto de Estatísticas Nacional, no período compreendido entre 2005 e 2017, a média das taxas de crescimento anuais das exportações de bens portugueses para a China foi de 18 por cento, cifrando-se, em 2017, em 843,3 milhões de euros. 

– Em que setores se destacam as exportações portuguesas para o Continente?

M.J.B. – Na estrutura das nossas vendas para a China surge em primeira posição os veículos e outro material de transporte, respondendo por 35 por cento do total, seguido pelos produtos alimentares (12 por cento do total), com particular destaque para a cerveja (7,3 por cento do total) e o vinho (três por cento do total), seguido pela pasta de madeira (11,5 por cento do total). 

– As exportações de laticínios para a China foi um dos temas acordado durante a última visita do antigo Presidente Cavaco Silva. Qual é o ponto da situação?  

M.J.B. – A China exige formalidades específicas para a importação de leite e produtos lácteos, nomeadamente o registo do exportador bem como o registo dos produtos. É igualmente exigido pelas autoridades chinesas que o importador desses produtos esteja registado junto da General Administration of Quality Supervision, Inspection and Quarantine da área geográfica de entrada do produto. A mercadoria deve ser acompanhada dos respetivos certificados de análise, de sanidade veterinária e, para alguns produtos, certificado de inspeção de mercadorias. Neste momento, estão registadas 34 empresas portuguesas e tem-se verificado uma forte procura de empresas de laticínios portuguesas que possam produzir produtos, exclusivamente para o mercado chinês, principalmente para o canal online. 

 – Tem ideia do volume de exportações?

M.J.B. – Em 2017, Portugal exportou 1,3 milhões de euros de leite e produtos lácteos.  Neste capítulo – habilitação à exportação de produtos alimentares para a China – sou do parecer que Macau, na sua qualidade de plataforma entre a China e os Países de Língua Portuguesa, bem como o Fórum Macau, podem desempenhar um papel mais ativo e interventivo, apoiando os PLP nestes processos.  

 – Pode ser mais precisa?

M.J.B. – A criação em Macau do Centro de Exposição de Produtos Alimentares dos PLP é uma iniciativa muito positiva, mas que poderia ainda potenciar e consolidar o papel-pivot de Macau, enquanto plataforma de serviços para a cooperação económica e comercial, através da criação de mecanismos que incentivem a utilização de Macau como porto de entrada privilegiada dos produtos alimentares dos PLP na China, nomeadamente através da criação de um corredor único de entrada de mercadorias na China-Zhuhai, pela sua proximidade e caraterísticas, uma espécie de “via verde”, assim como a eliminação de direitos aduaneiros e de barreiras não tarifárias na entrada dos produtos alimentares dos PLP na China ou, em alternativa, a criação de uma tabela aduaneira única para todos os PLP. Devemos evoluir para um modelo de intervenção, mobilizando as empresas chinesas e de outros PLP habilitados a investir neste domínio e a partilhar conhecimento, visando aumentar os níveis de produção e produtividade.

– Para quando está prevista a abertura da AICEP em Cantão? 

M.J.B. – A abertura desse novo ponto de rede da AICEP está em sintonia com a abertura do Consulado português em Cantão.

– Qual é o balanço que faz desde que assumiu a liderança da AICEP em Macau? 

M.J.B. – É a minha segunda experiência profissional em Macau, onde exerci funções de diretora da Associação Empresarial de Portugal para o Sudoeste asiático, há cerca de 18 anos. Na verdade, muito embora se antecipasse um surto de expansão económica e de progresso, nada me podia preparar para o desenvolvimento e crescimento que Macau atingiu fruto de uma dinâmica empresarial muito interessante, através da qual é agora cada vez mais incontornável a possibilidade de alavancar negócios para e com a China. 

– O que representa novos desafios?

M.J.B. – As exportações de Portugal para Macau registaram uma média anual de crescimento de 13 por cento nos últimos cinco anos e continuaremos a trabalhar para aumentar o seu valor. No âmbito da captação de investimento, verificamos uma nova dinâmica das empresas de Macau que estão a intensificar e a diversificar os seus investimentos em Portugal. Estes indicadores, apesar de muito positivos, devem ser melhorados uma vez que existe uma larga margem de progressão. 

Catarina Brites Soares  27.04.2018

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