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A vez das PME

Empresários locais elogiam Fórum de Macau no balanço dos primeiros 15 anos, mas querem mais apoio às PME. Difícil acesso ao Fundo China-PLP também merece críticas. 

O eixo de ação do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa (Fórum de Macau) deve centrar-se mais em resultados palpáveis para as empresas, sobretudo para as de pequena e média dimensão (PME), defendem empresários e consultores ouvidos pelo PLATAFORMA. Numa altura em que se assinalam 15 anos após a criação deste mecanismo de cooperação, o próprio Secretariado Permanente concorda que é preciso fazer mais pelas empresas.

A história dos primeiros três quinquénios do Fórum está ligada a Rita Santos. Ocupou cargos de responsabilidade durante os primeiros 12 dos 15 anos de existência do Fórum, primeiro como Coordenadora do Gabinete de Apoio ao Secretariado Permanente e, posteriormente, Secretária-geral adjunta designada pelo Governo da RAEM. Hoje, como empresária, olha para a questão do Fórum de um outro prisma. “A China fez muito para promover Macau como plataforma, sobretudo ao nível da cooperação institucional; agora há que centrar os esforços em termos empresariais”, diz ao PLATAFORMA. Neste sentido, um maior envolvimento de empresários de Macau, como intermediários, é um aspeto chave: “Há que tirar proveito do conhecimento dos empresários de Macau, quer dos mercados dos PLP, quer da China interior”. Rita Santos defende medidas concretas que passam por serviços prestados pelo Secretariado Permanente relativos a oportunidades de investimento nos PLP. 

“A cooperação entre empresas tem sido materializada, sobretudo, bilateralmente e não tanto através do Fórum”, observa Rita Santos, para quem é importante que “os empresários sintam a necessidade de usar o Fórum”, num processo em que agentes privados locais desempenhem um papel de intermediário para concretizar o conceito de plataforma. 

Insatisfação com Fundo 

A questão do financiamento é o outro lado desta moeda. O Fundo de Cooperação e Desenvolvimento China-Países de Língua Portuguesa, anunciado em 2010 durante a 3a Conferência Ministerial do Fórum pelo então primeiro-ministro Wen Jiabao, foi criado em 2013 com um capital social no valor de mil milhões de dólares norte-americanos, havendo para já somente quatro projetos aprovados para receber verbas do fundo. Entre eles estão dois no Brasil, um em Angola e um outro em Moçambique. Rita Santos considera que “são as PME de Macau, China e PLP que mais precisam do fundo”.  

Para Jorge Costa Oliveira, ex-Secretário de Estado da Internacionalização do Governo de Portugal, “é difícil compreender como, ao fim destes anos, apenas estes projetos empresariais tenham merecido aprovação”. 

Oliveira, que viveu e trabalhou em Macau durante cerca de duas décadas, tendo sido coordenador do Gabinete para os Assuntos de Direito Internacional de Macau, adianta ao PLATAFORMA que “talvez parte da explicação se encontre na dificuldade sentida na análise de risco dos projetos por parte de gestores do Fundo, que conhecem mal a realidade de muitos PLP”.

Agora que a sede do Fundo está em processo de mudança de Pequim para Macau, “deve aproveitar-se melhor a oportunidade para um trabalho mais articulado entre o Fundo e as entidades que têm bom conhecimento dos mercados dos PLP”.

Numa avaliação ao que tem sido o Fórum ao longo destes 15 anos, Oliveira, que atualmente opera a empresa de consultoria JCO Consultancy, salientou “a enorme importância desenvolvida a nível institucional, junto de governos centrais, regionais ou provinciais, ou mesmo de importantes áreas metropolitanas”. Esse trabalho de promoção na China das oportunidades de negócio existentes nos PLP tem sido “inestimável”. Posto isto, Jorge Oliveira também considera que o Fórum se deve focar “cada vez mais em ações viradas para as empresas”, lançando um repto para que este trabalhe “em estreita articulação com as associações empresariais”. 

PME pedem mais apoio

Uma dessas associações empresariais, sedeada em Macau, é a Associação Comercial Internacional para os Mercados Lusófonos (ACIML). O presidente do Conselho Geral, Humberto Rodrigues, diz ao PLATAFORMA “ter confiança e otimismo” no projeto do Fórum, mas mostra-se crítico face às medidas de apoio direcionadas às empresas, sobretudo às PME. 

“Espero que o Fórum, no futuro, preste mais atenção a pequenos e médios empresários, porque até agora tem estado mais direcionado para as grandes empresas”, argumenta Rodrigues, um empresário macaense que gere uma companhia de importação e exportação com negócios entre os PLP e a China continental. 

Em concreto, Rodrigues sugere que as autoridades de Macau possam intervir junto das congéneres da China continental para que o processamento da entrada de produtos reexportados a partir de Macau possa ser menos moroso e burocrático. 

O problema, explica o empresário, tem a ver, sobretudo, com o processo de inspeção de produtos, como por exemplo enlatados, que são oriundos de Portugal e vêm já com certificados de salubridade. No sentido contrário – de venda de bens da China para os PLP , nomeadamente países lusófonos africanos – o dirigente da ACIML sublinha que um dos obstáculos diz respeito à ausência de um sistema de seguro de créditos à exportação para cobertura de risco. Esse problema deverá estar em vias de ser resolvido, após a assinatura, em outubro do ano passado, de um acordo de cooperação entre a Autoridade Monetária de Macau (AMCM) e a Companhia de Seguros de Créditos, S.A. (COSEC), com o intuito de apoiar o estabelecimento de um sistema de seguro de créditos à exportação.

Fórum promete mais trabalho

A necessidade de reforçar o apoio às empresas é reconhecida pelo Secretariado Permanente do Fórum. A Secretária-geral, Xu Yinzhen, diz que há que “trabalhar mais para que o setor empresarial de cada parte possa aproveitar mais o Forum”. Xu salienta que várias iniciativas têm sido levadas a cabo, envolvendo associações empresariais e empresas dos PLP, Macau e China continental. Desde logo, o Encontro de Empresários que anualmente tem lugar nos PLP tem sido uma montra.  “Por exemplo, nos últimos encontros em Moçambique e Cabo Verde acompanharam-nos empresários de Jiangsu e Hunan que identificaram algumas oportunidades e negócio”, lembra Xu Yinzhen ao PLATAFORMA. Por outro lado, o Fórum tem organizado ou prestado apoio à presença de empresários de Macau e PLP em várias feiras e encontros empresariais realizados ao longo dos anos na China continental. 

Cooperação em alargamento

As áreas de cooperação inscritas nos Planos de Ação para a Cooperação Económica e Comercial foram sendo alargados, sucessivamente de três em três anos, aquando da realização das Conferências Ministeriais em Macau. Das sete áreas referidas no primeiro Plano, o campo de ação foi-se expandindo para cerca de três dezenas. Nesse processo, o papel de Macau como plataforma passou a ser mais afirmado politicamente, sendo traduzido no conceito  “Uma Plataforma, Três Centros” com base em Macau. A estratégia passa pelo lançamento do Centro de Serviços Comerciais para as Pequenas e Médias Empresas da China e dos Países de Língua Portuguesa, do Centro de Convenções e Exposições para a Cooperação Económica e Comercial entre os Países Participantes do Fórum de Macau e do Centro de Distribuição dos Produtos Alimentares dos Países de Língua Portuguesa. O projeto foi primeiro referido em 2013 e reiterado na Conferência de 2016. Contudo, a obra do Complexo de Serviços para a Cooperação Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa – localizada na zona do Lago Nam Van – apenas foi adjudicada em Setembro de 2017, devendo estar concluída em meados de 2019.

VOZES LUSÓFONAS NO FÓRUM

Qual é a importância do Fórum para o seu país?

Belarmino Barbosa, delegado de Angola: O Fórum tem sido uma placa giratória para o relacionamento entre a China e os nossos países. E Macau tem uma relação histórica com o mundo lusófono. Nós temos uma equipa sólida no Fórum com ideias a partir dos Planos de Ação.

Marcos Caramuru de Paiva, Embaixador do Brasil na República Popular da China*: Nós achamos que o Fórum é uma instância através da qual os países se concertam. Vemos o Fórum dessa forma, uma instância na qual os países de língua portuguesa se reúnem para montar uma estratégia em relação à China. O Fórum tem um papel importante no fomento do comércio e dos investimentos, mas também ajuda nesse processo o que é feito nos setores, da cultura, da promoção da língua e do ensino do português, áreas menos tangíveis do ponto de vista económico, mas que têm um impacto comercial.  

*O PLATAFORMA contactou o delegado do Brasil que acompanha os trabalhos do Secretariado Permanente do Fórum, mas não obteve resposta. 

Este é um momento muito importante para o Fórum. São 15 anos de progresso, com alguns resultados notáveis.

Nuno Furtado, delegado de Cabo Verde: O Fórum é um mecanismo multilateral que complementa aos laços bilaterais. Para Cabo Verde, turismo e recursos humanos são aspetos importantes desta relação. 

Malam Camará, delegado da Guiné-Bissau: O Fórum de Macau veio permitir a retoma de confiança entre a Guiné-Bissau e a China porque nas conferências ministeriais têm estado reunidas as altas esferas políticas.  O Fórum cria um espaço para o fortalecimento, também a nível bilateral. Está também a permitir que a China conheça melhor a Guiné-Bissau.  

Francisca Reino, delegada de Moçambique: 15 anos depois o Fórum é importante pela aproximação política. Consideramos que já consolidámos os aspetos políticos e diplomáticos. 

Portugal atribui grande relevância ao Fórum de Macau porque, entre outras valências, constitui uma via complementar de acesso ao mercado da China Continental.

Maria João Bonifácio, delegada de PortugalO Fórum de Macau tem centrado a sua proposta de valor em quatro pilares, que consideramos importantes: a informação (de mercado), o networking (dos representantes nacionais e de empresas dos PLP com empresas e instituições provinciais chinesas), a capacitação de recursos humanos e a área cultural e a promoção da língua portuguesa. 

Gualter da Vera Cruz, delegado de São Tomé e Príncipe: Ser o primeiro delegado do Fórum por São Tomé e Príncipe (país que aderiu ao Fórum no ano passado na sequência do restabelecimento das relações com a República Popular da China) tem um significado especial. Integrar esta família para São Tomé e Príncipe é relevante para encontrar um mecanismo que pode ajudar as nossas oportunidades de negócio. Temos enormes potencialidades em termos de espaço marítimo e uma diversidade enorme de recursos que podem ser aproveitados. 

Danilo Henriques, delegado de Timor-LesteTimor-Leste é um país muito jovem, em desenvolvimento. Temos apenas 15 anos como estado-nação. E precisamos deste mecanismo que reforçar a cooperação bilateral para procurar maneiras de desenvolver o país. Conseguimos, por exemplo, um projeto de investimento agrícola de uma empresa chinesa e um outro trilateral com o envolvimento de Portugal. São coisas que conseguimos atingir através do Fórum. Além disso, o Fórum tem permitido o contacto com o interior da China. Em Macau há a sublinhar a ligação entre os nossos povos. 

O que gostaria de ver melhorado? 

Belarmino Barbosa: O que corre menos bem, às vezes, é a concretização, a implementação dos Planos de Ação. Várias coisas podem melhorar. É preciso ver mesmo a questão do financiamento, do funcionamento do Fundo. Da forma como ele está, não ajuda muito os nossos empresários. É muito exigente primeiro e depois a sua concretização é difícil. É preciso criar mecanismos de financiamento de modo a que os nossos países e os nossos empresários sintam que há vantagens em usar o Fórum como plataforma. 

Marcos Caramuru de Paiva: O Fórum pode também alertar os países e trazer para cima da mesa outros temas ligados às novas tecnologias. Os negócios serão sempre feitos pelos empresários. O Fórum terá um papel indutor, mas não terá um papel direto. O Brasil está disposto a dar a sua contribuição e mostrar a sua experiência nas relações com a China.

Nuno Furtado: A questão do fundo é importante, uma vez que este não funciona na sua plenitude. Há entraves. Devem ser reforçados alguns mecanismos. Estamos a trabalhar junto do Secretariado Permanente e do Secretário-geral adjunto dos Países de Língua Portuguesa para ver se, em conjunto, temos os melhores caminhos.

Malam Camará: Há um aspecto bicéfalo na estrutura: o Secretariado Permanente e o Gabinete de Apoio, criado pelo Governo da RAEM para a criação do Secretariado. Penso que, após a criação do Secretariado poderia desaparecer o Gabinete e o Fórum ter a sua autonomia. O Fórum deve caminhar para ser uma instância internacional multilateral.  Não pode em alguns casos ser uma instância multilateral e noutros uma Direção de Serviços de Macau.

Francisca Reino: Há agora que centrar as atenções nas empresas. Quem coloca a plataforma na prática é o empresário. É preciso que os empresários nacionais tenham acesso ao Fundo. Vamos a isso. O Fundo existe, mas o que foi feito na prática? Não encontramos algo palpável. Nós precisamos que esse fundo seja acessível de acordo com a capacidade e desenvolvimento de cada país. O Fórum deve sair da política e tem de desempenhar o seu objeto: a complementaridade da cooperação bilateral. 

Maria João Bonifácio: Entendemos que a dimensão empresarial terá de assumir cada vez maior importância. Apoiamos também os melhores esforços do Fórum Macau para diversificar as suas atividades numa lógica ainda mais abrangente, concretizando as linhas mestres do Plano de ação 2017-2019, nomeadamente no domínio do Mar e da chamada Economia Azul, na Economia Verde, no âmbito da inovação e do empreendedorismo, no domínio da segurança alimentar ou no âmbito da capacitação.

Gualter da Vera Cruz: Perspetivamos que muitas coisas boas vão acontecer. A área da medicina tradicional tem sido focada e deve ser dinamizada. A formação tem sido uma aposta do Fórum e creio que vai reforçar-se mais ainda, pois permite melhorar essa relação comercial. 

Danilo Henriques: O Fundo pode ser melhorado. E mais inclusão de empresários dos Países de Língua Portuguesa. Além disso, algo que a Secretária-geral já começou a fazer: a ligação entre o Fórum e instituições na comunidade, sejam académicas,  ou grupos ‘think tanks’ para pensar melhor como podemos desenvolver o Fórum no futuro.

 

José Carlos Matias  29.03.2018

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