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Fim do estado de graça para o investimento chinês em Portugal

O investimento chinês em Portugal tem dado lucro, mas não criou emprego, diz um recente estudo universitário. A investigadora Fernanda ilhÉu deixa um aviso: ou os chineses mudam de estratégia ou a opinião pública portuguesa poderá virar-se contra as investidas do Continente.

Os números são avultados: a China investiu 13 mil milhões de euros (125,5 mil milhões de patacas) em Portugal desde 2011, quando a empresa estatal China Three Gorges desembolsou 2,7 mil milhões para se tornar o maior acionista da EDP – Energias de Portugal.

Na altura em que o país atravessava uma profunda crise económica, o investimento chinês supriu “uma necessidade imediata de liquidez”, escreveu Pedro Galinha na tese de mestrado sobre a Parceira Estratégica Global entre China e Portugal.

O antigo jornalista em Macau acrescentou que, “em quase todos os casos, os investimentos realizados direcionam-se para empresas reconhecidas e sólidas, mas com algumas carências financeiras”.

Um exemplo é a Caixa Geral de Depósitos, que vendeu a Fidelidade, a maior seguradora portuguesa, à Fosun por 1,1 mil milhões em 2014, após ter sido salva da bancarrota por uma injeção de capital por parte do governo português.

O investimento chinês em Portugal passou por “áreas específicas, como energia, mais concretamente na área das renováveis, banca, seguros, saúde, telecomunicações ou plataformas logísticas”, sintetizou Pedro Galinha numa tese defendida recentemente na Universidade Nova de Lisboa.

Ou seja, “os chineses investiram nas empresas mais lucrativas, que beneficiam de condições de mercado específicas e oferecem um grande lucro”, resumiu Fernanda Ilhéu, coordenadora do núcleo de consultoria ChinaLogus, durante uma conferência realizada em Macau.

Só a Fidelidade rendeu à Fosun, o maior conglomerado privado chinês, 211 milhões de euros no ano passado. “Os portugueses começam a reparar em tantos milhões [de euros] a voltar para a China”, avisou Fernanda Ilhéu.

“Nenhum benefício direto”

Em contrapartida, esperava-se um alívio para o desemprego, que andou perto dos 18 por cento em 2013. Mas as expectativas saíram defraudadas, escreveu Pedro Galinha, pois o investimento chinês em Portugal tem sido marcado pela “quase ausência de criação de postos de trabalho”.

Numa entrevista para a tese, Miguel Santos Neves, antigo assessor do governador de Macau, foi mais longe e defendeu que os investimentos chineses não tiveram “nenhum impacto nem nenhum benefício direto”.

Além de procurar lucros seguros, os chineses têm também usado as companhias portuguesas para investir nos países lusófonos e não só. Por exemplo, foi através da Fidelidade que em 2015 a Fosun comprou o histórico Palazzo Broggi em Milão por 345 milhões de euros.

Para o investigador Santos Neves, o que faz falta é transferência de tecnologia para estimular “a industrialização do país”. “Uma das questões mais criticadas”, confirmou Pedro Galinha, é “a não captação de capitais para desenvolver determinados setores industriais portugueses”.

Numa outra entrevista para a tese, o Chefe de Divisão da Direção-Geral das Atividades Económicas do Ministério da Economia, Rui Pereira, admitiu que “seria importante” uma “maior diversificação do investimento chinês” com criação de emprego.

O próprio ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santo Silva, defendeu durante 2017 que “o investimento chinês que mais interessa atrair” é aquele dirigido “para os sectores produtivos da economia”, isto é, para a agricultura e manufatura.

E é isto que o governo português pode fazer, escreveu Pedro Galinha: “exercer influência para captar capitais em determinadas áreas geradoras de emprego”.

Aviso à navegação

“Os portugueses ainda encaram o investimento chinês com bons olhos, mas esperam que a China ajude a desenvolver a indústria e a educação, além de abrir o seu mercado aos produtos portugueses”, disse Fernanda Ilhéu, “caso contrário, obviamente que vamos ter algumas reações menos positivas”.

O aviso da presidente da Associação dos Amigos da Nova Rota da Seda tinha como alvo Sheng Sixin, da poderosa Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma (NDRC, na sigla inglesa), que integrou o mesmo painel, dedicado à iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota”.

O diretor do Departamento de Cooperação Internacional da NDRC ouviu o alerta e mais tarde admitiu que sente “a apreensão de alguns países, que duvidam que o investimento chinês possa ser sustentável”.

E deixou um exemplo: “muitos projetos de infraestruturas e energia têm um investimento superior ao PIB” (Produto Interno Bruto) de alguns países e, “por isso, têm medo do que vem depois, quando os projetos terminam”.

Este é um receio que se já faz sentir nos países de língua portuguesa, admitiu Miguel Santos Neves. O investigador alertou para o “peso enorme” e “a influência” do investimento chinês em Portugal, em Angola, e no Brasil (ver caixa), que está a gerar “fenómenos de mal-estar”.

A crescente desconfiança perante o capital vindo da China foi um dos temas mais falados durante a conferência do mês passado, que abordou as relações entre a China e a Europa. E já é possível “vislumbrar o início de alguns problemas”, alertou Fernanda Ilhéu.

Em Novembro, o Paquistão cancelou a construção de uma barragem por parte da China, e no mês passado a Austrália anunciou uma nova lei anti-espionagem devido a receios sobre a influência chinesa na política interna do país.

Enquanto a hostilidade contra a China ajudou Donald Trump a ser eleito como presidente dos Estados Unidos, o investigador alemão Henning Glaser disse que na Europa a população não culpa a China pelo sucesso das últimas décadas.

Entraves e abusos

Ainda assim, sublinhou Jean-Pierre Cabestan, diretor-geral do Programa Académico da União Europeia em Hong Kong, “muitos Europeus acreditam que a China “tem abusado” das regras da Organização Mundial do Comércio.

Por exemplo, no mês passado, os Estados Unidos aplicaram severas medidas anti-dumping a produtos de aço originalmente feitos na China, mas que eram depois terminados no vizinho Vietname.

A Alemanha já introduziu leis que limitam o investimento chinês e quer mesmo levar essas regras até ao nível da União Europeia, sublinhou Dragan Pavlicevic, professor da Universidade de Xi’an Jiaotong-Liverpool.

Também  França gostaria de “avaliar melhor” as aquisições chinesas, sobretudo no que toca a tecnologias consideradas sensíveis, lembrou Cabestan.

Ainda este mês, o Presidente francês Emmanuel Macron vai deslocar-se à China em busca de “um acesso mais fácil ao mercado doméstico chinês”, disse o professor da Universidade Batista de Hong Kong.

Uma questão que também preocupa Portugal. A recetividade do país ao investimento chinês não tem tido por contrapartida a abertura do mercado da China aos produtos portugueses, lamentou Miguel Santos Neves.

Nos últimos quatro anos, as exportações portuguesas para a China aumentaram mais de 40 por cento, mas sobretudo devido aos automóveis produzidos em Portugal por empresas estrangeiras.

A vida não é fácil para outros setores. Por exemplo, apenas no verão passado foram desbloqueadas as exportações de carne de porco e a própria agência de promoção AICEP admite que ainda há entraves à entrada de muitos produtos alimentares portugueses na China. 

Macau de costas voltadas para a Lusofonia

O sucesso de Macau como uma plataforma entre a China e os países de língua portuguesa tem sido limitado, não apenas pela falta de profissionais bilingues, mas também pela relutância das elites de Macau, apontou o investigador José Carlos Matias.

“Os interesses comerciais das elites locais são mais virados para a cidade ou para o continente”, disse o também jornalista, durante a conferência.

Mesmo durante a recente quebra nas receitas dos casinos, sublinhou Matias, os empresários de Macau “continuaram a ganhar muito dinheiro com o jogo, o imobiliário e o comércio a retalho”, um fraco incentivo à procura de outros negócios.

Ou seja, disse, tem sido sobretudo o Governo Central a promover Macau como uma plataforma, nomeadamente através do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa.

Por outro lado, escreveu Pedro Galinha na tese de mestrado: O Fórum acaba por ficar “à mercê da iniciativa chinesa”, algo que também explica o pouco interesse demonstrado pelas autoridades de Portugal e do Brasil.

“Uma ameaça” para o Brasil

A China tem sido regularmente acusada pelos media brasileiros de vender apenas produtos de qualidade inferior, mas baratos devido a uma competição desleal, e de causar despedimentos nas indústrias tradicionais do Brasil, afirmou Elsa Yang Jing.

A professora da Universidade de Estudos Estrangeiros de Guangdong lamentou que, apesar das exportações chinesas serem sobretudo produtos de grande valor acrescentado como maquinaria, as notícias no Brasil continuam a retratar a China como “uma ameaça”.

Durante um painel de um seminário dedicado aos laços entre os dois países, outros investigadores falaram ainda do crescente receio de uma dependência neo-colonialista da China, que é já o principal parceiro comercial do Brasil.

Segundo Roberval Teixeira e Silva, professor da Universidade de Macau, apesar da expansão da comunidade chinesa no Brasil, há ainda “um fosso de desconhecimento” que explica porque nos media persiste “a imagem da China que invade”.

Vítor Quintã

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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