O entulho à tona da água começou a aparecer no Rio das Pérolas no início de Julho. Mês e meio depois, Hong Kong mantém operações especiais de limpeza e força negociações com as autoridades de Guangdong com o objetivo de impedir que o lixo urbano desça Rio das Pérolas abaixo. Em Macau, o fenómeno parece passar ao lado das autoridades.
Já sem contar com este fenómeno, aparentemente recente, os alertas sobre o excesso de poluição e a má qualidade da água têm origem no próprio Ministério de Proteção do Meio Ambiental, no seu último relatório sobre a qualidade do ar e das águas. No delta do Rio das Pérolas, as autoridades chinesas mostram-se satisfeitas com os níveis de concentração de partículas poluentes no ar: 30 microgramas por metros cúbicos, pouco mais que o máximo recomendado pela Organização Mundial de Saúde. Houve “céus azuis” 94,7% dos dias, lê-se no comunicado oficial, num claro contraste entre a satisfação pela queda na poluição atmosférica e a preocupação renovada face ao que mostram os estudos efetuados ao nível de poluição das águas: “Estável” nos seis primeiros meses do ano. Para além do Rio das Pérolas, são oficialmente reconhecidos “altos níveis” de poluição também nos rios Amarelo, Songhua, Huaihe e Haihe.
Para além da questão estrutural, surge agora o drama que ocupa as primeiras páginas da imprensa de Hong Kong: milhares de toneladas de lixo urbano, incluindo materiais plásticos e outros polímeros – derivados de petróleo – invadiram as praias de Hong Kong, obrigando as autoridades a interditarem algumas delas ao público, enquanto procediam a operações especiais de limpeza. Pelo menos em parte, a origem deste entulho está mais a norte, perto de Cantão, capital provincial que diariamente gera largas toneladas de lixo. Surpresos com o incidente, especialistas de Hong Kong estão em negociações com as autoridades de Guangdong em busca de fórmulas de retenção desse lixo, por duas vias: a montante do problema, promovendo a diminuição da própria geração do lixo; depois, controlando o seu tratamento e impedindo que desça rio abaixo.
Macau à margem
Em Macau, nunca durante o ultimo mês as autoridades lançaram qualquer alerta sobre o fenómeno, nem sequer há notícia de que tenham procedido a operações especiais de limpeza ou acompanhado as negociações que decorrem entre as regiões vizinhas. Mas há vários relatos de lixo visto à tona da água, quer em Hac Sa quer em Cheoc Van. Circunstância, aliás, verificada por este jornal no primeiro fim-de-semana do mês. Não houve qualquer aviso para que a população evitase ir a banhos, naquelas circunstâncias, nem o anúncio de operações especiais de limpeza. Certo é que as pessoas, confrontadas com o lixo à tona de água, acabavam em muitos casos por se dirigirem antes à piscina. Mas também é um facto que, na segunda-feira seguinte, já a mancha não era visível, pelo menos no mesmo local em que antes fora avistada em Cheoc Van. Contatada pelo Plataforma, a Direção dos Assuntos Marítimos e da Água não foi capaz de produzir respostas sobre a qualidade da água, a origem do lixo ou eventuais negociações com as regiões vizinhas. Alegadamente por falta de tempo para o fazer, de um dia para o outro. O que se percebe é que o assunto terá passado ao lado das autoridades locais, apesar de se tratar da mesma água, embora em margens diferentes do rio, separadas por cerca de 60 milhas.
Nova realidade
Há razões estruturais que estão a ditar esta nova realidade poluente no sul da China. “Um dos efeitos da passagem do ‘El Nino’ foi o de transformar o Pacífico Ocidental numa piscina quente e estagnada, sem capacidade natural de circulação das águas,” explica ao South China Morning Post David Backer, especialista do Instituto Swire de Ciências Marinhas da Universidade de Hong Kong. “Juntam-se as correntes na região do Delta e está criada a tempestade perfeita”, conclui. Segundo esta tese, as alterações climáticas estarão na base deste tipo de “incidentes”, até agora pouco comuns, mas que serão cada vez “mais frequentes”, alerta Wong Kam-sing, líder de um grupo intergovernamental que está a estudar o assunto em Hong Kong.
Os números impressionam: 78 quilos foram recolhidos da tona da água, nas costas de Hong Kong, em apenas uma semana. Mas ao longo de um ano, cerca de 14 toneladas de lixo atingem as costas da antiga colónia britânica. Embora assumam que uma boa parte desse lixo urbano possa ser produzido localmente, as autoridades de Hong Kong estão convictas de que só em estreita colaboração com as autoridades de Guangdond podem atacar o problema. “É inevitável. O que Hong Kong e o Continente têm de fazer é reduzir as quantidades de lixo que podem acabar no mar. A maioria destes detritos é composta por restos caseiros e material descartável; logo, temos de reduzir na fonte a produção desse lixo”, sustenta Ho Kin-chung, reitor da Faculdade de Ciência e Tecnologia da Universidade Aberta de Hong Kong. Nesse sentido, e também em declarações ao South China Moring Post, exorta as autoridades de Guangdong a serem “mais colaborativas” no combate a este fenómeno poluente.
A perceção do problema é de tal forma grave que Hughie Doherty, fundador de um grupo de 15 voluntários que já recolheu mais de 150 sacos de lixo nas praias de Stanley, admite que este tipo de ações deixarão provavelmente de ser meramente circunstanciais: “Podem tornar-se atividades regulares”.
Paulo Rego