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“O governo é muito lento”

 

O Macau Design Center é o último grande grito das indústrias criativas. Mas o sonho dá ainda os primeiros passos. Em Macau “temos bom design, mas temos ainda muito a aprender, sobretudo no lado comercial”, alerta Dirco Fong, diretor executivo do projeto. Apesar do “bom sinal” dado pelo apoio a este projeto, o designer diz que ouve o discurso das indústrias criativas tem “pelo menos dez anos”, criticando o governo por ser “muito lento”. A verdade, sustenta, é que “o dinheiro vem dos caninos” e “a cultura nunca foi prioridade”.

 

PLATAFORMA – A festa de inauguração foi no último sábado, embora estejam a funcionar já desde o ano passado. Mesmo assim foi um dia especial?

Dirco Fong – A inauguração foi fantástica. Honestamente, não estávamos à espera de tanta gente nem de tanta atenção. Pelos vistos, Macau estava mesmo à espera de um espaço como este e há sinais de que o Governo, os Media e a sociedade em geral querem fazer mais qualquer coisa pelas indústrias criativas. Tive esse feeling durante a cerimónia.

P – Como descreve a experiência destes primeiros meses?

D.F. – Começámos a operar em Novembro; no fundo, com o objetivo de funcionarmos como uma plataforma. Temos estúdios para arrendar, a baixo custo, e querermos desenvolver redes entre os próprios designers, mas também entre eles, os Media, os clientes e o mercado em geral. Nesse sentido, a inauguração também foi um sucesso. O facto de termos tido uma enorme atenção por parte dos Media, é muito bom sinal.

P – Essa atenção dos Media reflete-se no seio das empresas e da população em geral? 

D.F. – A cidade ainda não conhece bem este projeto, até porque a localização não é das mais nobres [Travessa da Fábrica, N5, Areia Preta]. Mas eu também sou designer e, entre nós, a mensagem espalhou-se rapidamente. Não há assim tantos designers em Macau e conhecemo-nos uns aos outros. Toda a gente ficou contente com a oportunidade de termos um espaço a custos controlados, juntando a organização de eventos e a partilha de projetos. A ideia foi muito bem recebida.

P – Qual é o próximo passo? 

D.F. – Queremos produzir coisas abertas a toda a cidade, para que as pessoas tenham mais contato connosco e percebam melhor o que é o design e qual o é o seu papel no desenvolvimento da cidade.

P –Qual foi a reação aos primeiros eventos públicos que já realizaram? 

D.F. – Não foi muito boa. Penso que as pessoas ainda não estão preparadas para valorizar o design. No futuro, vamos concentrar mais esforços nas relações empresariais no desenvolvimento de modelos de negócio.

P – Os estúdios estão todos ocupados? 

D.F. – Estamos cheios. No início tínhamos 12 estúdios para arrendar e recebemos 47 candidaturas; depois, remodelamos o espaço para mais cinco estúdios, também já ocupados; agora vamos avançar com open offices, onde cada utilizador tem uma secretária, telefone e internet grátis 24 horas por dia. Quando distribuímos os estúdios só aceitámos empresas em atividade; depois percebemos que muitos designers são freelancers, ou estudantes que entram agora no mercado de trabalho. São espaços concebidos para esse perfil individual.

P – Quanto pagam por esse espaço? 

D.F. – 1.500 patacas por mês, com direito a internet grátis, salas de reunião e espaços comuns.

P – Qual é o preço dos estúdios? 

D.F. – Varia conforme o tamanho. Este ano estamos a cobrar sete Hong Kong dólares por metro quadrado.

P – O baixo custo do espaço é o segredo do sucesso? 

D.F. – Sim, porque as rendas hoje em Macau estão incomportáveis em todo o lado. Como em Macau um designer não consegue cobrar muito pelo seu trabalho, o custo das rendas, somado aos salários médios de cada colaborador – cerca de 15.000 patacas mensais – faz com que seja muito difícil sobreviver.

P – Quais os principais obstáculos ao desenvolvimento comercial do design? 

D.F. – Não sei se o mercado está disposto a pagar mais pelo design, mas a chegada dos novos casinos criou uma maior consciência do valor da imagem e há mais clientes dispostos a investir. Contudo, é um processo lento, porque o tecido empresarial é maioritariamente composto por pequenas empresas e a mentalidade ainda é muito tradicional. Por outro lado, como a cidade é pequena, há sempre um amigo que faz mais barato, ou até de borla. Por fim, ainda se confunde muito o design com a arte; ou seja, olham para nós como artistas que fazem exposições e não como prestadores de serviço que trazem mais-valia ao negócio.

P- Consegue-se alterar essa percepção? 

D.F. – Macau já não é a pequena vila que era e as coisas começam a mudar.

P – Como é que “vende” o design, projetado para as empresas e o mundo dos negócios? 

D.F. – O design ajuda as empresas a resolverem os seus problemas, tal como o médico nos cura as doenças. Se o seu negócio está mal e é preciso fazer alguma coisa, nós ajudamos.

P – A gestão deste espaço passa também por fomentar o trabalho entre os designers que cá estão? 

D.F. – Temos tido essa discussão e acredito que tem de ser esse o caminho acontecer. Normalmente, um cliente tem vários problemas para resolver: espaço interior, mobiliário, imagem da empresa, design digital, expansão na internet, etc. A maioria das empresas não tem dimensão para resolver tudo ao mesmo tempo; logo, a solução é partilhar trabalho e servir melhor os clientes.

P – Macau mudou muito na última década. Contudo, tirando os casinos, a imagem da cidade não muda muito. Será o design capaz de criar outra percepção e outro ambiente? 

D.F. – É isso o que tentamos fazer! Queremos promover o bom gosto e melhorar o ambiente em que a cidade se desenvolve.

P – E conseguem? 

D.F. – Ainda estamos longe disso.

P – É um problema de mentalidade? Falta de hábito? O que é preciso para conseguir mudar? 

D.F. – É preciso tempo. Na última década, a maioria das pessoas esteve sobretudo focada em fazer dinheiro e organizar a vida, que se tornou cada vez mais difícil de sustentar. Não tem havido tempo para pensar nem para cultivar o gosto. Antes da transmissão do poder [1999] a vida era muito mais fácil; não tínhamos de trabalhar tanto para ganhar a vida e sobrava tempo para observar o que nos rodeia, frequentar museus, ouvir música, saborear a comida… Tenho muitas saudades desse tempo, com outra qualidade de vida.

P – O progresso, a concorrência e a tensão não podem também impulsionar a criatividade? Estou a pensar na evolução do design em Paris ou Nova Iorque… 

D.F. – Claro, mas é preciso tempo para que isso aconteça. A população de Macau está a crescer, mas a maioria veio da China, com um estilo de vida muito diferente e focada na sua própria sobrevivência.

P – Quanto tempo é preciso para mudar? Uma geração? 

D.F. – Sim, talvez a próxima geração seja diferente. Por isso temos um programa que vai levar o design às crianças. É preciso educá-las e fazê-las perceber que o design não se resume a ter bom gosto ou fazer coisas bonitas. O design é um instrumento para criar uma vida melhor.

P – O discurso oficial está agora muito focado na diversificação económica e nas indústrias criativas. Isso já se sente na vida real? 

D.F. – Na realidade, essa agenda é muito antiga. Ouço falar nisso pelo menos há dez anos, mas o governo é muito lento. O dinheiro vem dos casinos e a cultura nunca foi de facto uma prioridade. Dizem que é muito importante, mas nunca levaram a sério a questão.

P – Se calhar também não sabem bem o que fazer. Será que andem também à procura do caminho? 

D.F. – Esse é um dos problemas: não sabem o que fazer. Mas a cultura também nunca foi a primeira prioridade. Macau tem muitos problemas e o governo vai-se concentrando noutras coisas. A cultura vai ficando na gaveta.

P – Este centro não é um bom sinal? 

D.F. – Este é um bom sinal. Acho que querem mesmo fazer as coisas de outra maneira. Os casinos já não estão a fazer o dinheiro que faziam e é preciso procurar alternativas. Talvez haja agora novas oportunidades.

“Ouço falar nisso pelo menos há dez anos, mas o governo é muito lento. O dinheiro vem dos casinos e a cultura nunca foi de facto uma prioridade. Dizem que é muito importante, mas nunca levaram a sério a questão”

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“O DESIGN DE MACAU É ÚNICO”

P – Deve ser governo a moldar a cultura, nomeadamente com apoios e subsídios? Ou deve ser antes a arte a desafiar o poder e a conquistar os mercados? Esse debate atravessa todas as sociedades, mas em Macau parece impossível desenvolver seja o que for sem o governo… 

D.F. – As duas coisas devem andar em conjunto. No princípio, qualquer indústria precisa de algum apoio, não só em subsídios mas também em termos regulatórios e com medidas que fomentem essa atividade. Na história de Macau, vários sectores precisaram de apoio do governo para se afirmarem, incluindo a própria indústria do jogo, que recebeu terrenos e outras benesses, para além de todo um quadro legal e um ambiente que facilitou a sua expansão.

P- É isso que falta às industrias criativas? 

D.F. – No nosso, a vantagem é que não precisamos de muito dinheiro, porque é com as ideias que criamos riqueza; não precisamos de grandes terrenos nem grandes construções. Antigamente, compravam quadros e peças de arte e punham nos gabinetes do governo. Hoje ainda se vê uma ou outra peça, mas não são de artistas de Macau. Bastava voltarem a comprar aos artistas de Macau e já estavam a ajudar, de uma forma muito simples.

P – Como pretendem alterar a percepção de valor no público em geral? 

D.F. – Queremos fazer alguns seminários e promover em ambiente empresarial o papel do design como instrumento do negócio. A seguir à inauguração abrimos a Semana do Design, e outras iniciativas destas virão para que as pessoas vejam o que os designers de Macau são capazes de fazer. Há gente com muita qualidade, mas pouca gente os conhece. Não é preciso ir lá fora, pagar três ou quatro vezes mais, quando temos cá designers de qualidade. É isso que queremos mostrar, com exibições e seminários.

P – Pode falar-se numa identidade própria do design em Macau? 

D.F. – Sim, Claro!

P – Quais são as características principais desse ADN? 

D.F. – O nosso design é único, porque mistura estilos e referências da China e de Portugal. Há uma elegância e um humor que vêm dessa influência europeia, mas há também uma forte alma chinesa. O resultado é muito bonito e é único.

P – Como é que o mercado chinês reage a essa identidade macaense? 

D.F. – Muito bem. Sempre que vou à China mostram grande interesse no nosso design. O problema é que continuam a comparar-nos com Hong Kong, onde os designers estão habituados a outro ritmo e a negócios com outra escala. Quando a encomenda é grande não pensam em Macau.

P – A tal parceria entre ateliers pode ser a solução? 

D.F. – Nós estamos a começar. Há 20 anos não tínhamos sequer design em Macau e hoje ainda atuamos em pequena escala. Ainda temos muito a aprender no campo da organização do negócio. Temos bom design, mas temos ainda muito a aprender, sobretudo no lado comercial.

Paulo Rego

21 DE AGOSTO 2015

 

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