O diretor executivo do Centro Incubador de Novas Tecnologias Manetic, Gilbert Chan, defende a criação em Macau de um Data Center para alojar a informação de empresas que investem na China continental e não se sentem seguras em fazê-lo do outro lado da fronteira. Hong Kong, salienta, não será capaz de agarrar todas as oportunidades e Macau precisa de investir na melhoria da infraestrutura de Internet para explorar este negócio.
PLATAFORMA MACAU – Quando foi este centro criado e com que propósito?
GILBERT CHAN – O centro iniciou a sua atividade em setembro de 2001 para apoiar empresas e indivíduos que queiram trabalhar na área da tecnologia, porque o Governo queria apostar na diversificação económica. O principal acionista é o grupo australiano Crossland Technologies [que desenvolve software relacionado com apostas para o Jockey Club de Macau e tem 25% do capital], depois o Governo de Macau e a Vodatel Holdings têm 15% cada e a Nam Kwong 10% de participação.
Incubamos empresas tecnológicas para encorajar mais pessoas a trabalhar nesta área e atrair mais negócios para Macau, tendo em vista o desenvolvimento de outras indústrias além do jogo.
Até agora incubámos com sucesso 20 empresas, sobretudo de tecnologias de informação e comunicação e tecnologias ambientais, o que significa que se tornaram empresas independentes que conseguem sobreviver por elas próprias. E durante este processo comercializámos cerca de 50 produtos. Atualmente incubamos 57, o maior número de sempre, sendo que metade é da área de tecnologias de informação e comunicação e as restantes são negócios de tecnologias ambientais, médicas e de outros tipos.
P.M. – Como selecionam os projetos e o que oferecem?
G.C. – Apresentam-nos primeiro o plano de negócios, depois falamos com as pessoas envolvidas no projeto para tomarmos uma decisão. Oferecemos normalmente um espaço de escritório para um período de três meses com possibilidade de renovação. Cobramos uma renda para que não haja abusos e ao fim de um ano, se permanecerem, o valor da renda aumenta. Não oferecemos financiamento, mas aconselhamento e ajudamos a detetar oportunidades de negócio.
Todos os anos temos cerca de 15 empresas candidatas. As candidaturas têm de partir de residentes de Macau, temos este requisito, mas, por vezes, eles têm sócios de Hong Kong e da China continental.
P.M. – Que tipo de tecnologias ‘made in Macau’ já foram colocadas no mercado?
G.C. – Algumas foram desenvolvidas no âmbito da indústria de jogo, por exemplo, equipamento eletrónico. As empresas de Macau não produzem todos estes equipamentos que são usados nos casinos, mas participam no seu desenvolvimento. Depois há empresas que desenvolvem produtos na área da vigilância e vendem-nos para a América do Norte e Sudeste Asiático. Também existem produtos mais locais como o site MaliMaliHome, que foi um projeto aqui incubado. Nos últimos cinco anos, as aplicações móveis também se tornaram uma área de negócio bastante popular em Macau. Temos várias empresas a desenvolvê-las e serviços governamentais a adquirirem-nas.
P.M. – Qual o nível de inovação destas empresas tecnológicas?
G.C. – O desenvolvimento de tecnologia em Macau não é algo fácil, porque temos pouca população, então quando temos alguma ideia inovadora ou quando queremos oferecer algum serviço ou produto inovador, precisamos de muitas pessoas para os usar. Sinto então que, em Macau, quem trabalha na área da tecnologia procura sobretudo melhorar o que já existe e desenvolver algo em função das necessidades dos utilizadores.
P.M. – E temos casos de sucesso de internacionalização?
G.C. – Temos um caso que já referi de uma empresa que desenvolve software na área da vigilância e o vende para a América do Norte e Sudeste Asiático. O mercado é pequeno, por isso, é muito difícil para as empresas desenvolverem produtos e depois exportarem-nos. Mas no caso do jogo é diferente, porque somos o maior mercado do mundo.
FALTAM RECURSOS HUMANOS
P.M. – Quais os principais desafios que a área das tecnologias enfrenta no seu desenvolvimento em Macau?
G.C. – Penso que o principal desafio é a dimensão do mercado, que é pequeno, e outro é a carência de recursos humanos. Nos últimos anos, estas empresas tecnológicas têm tido oportunidades de negócio, o problema é que não têm recursos humanos suficientes para lhes dar resposta. Por isso, no nosso centro promovemos a cooperação entre empresas. Também porque o mercado laboral é hoje favorável aos trabalhadores, muita gente não quer correr o risco de começar um negócio e prefere ser contratado por outrem.
P.M. – Falta, portanto, algum empreendedorismo?
G.C. – Sim, mas temos algumas pessoas dispostas a arriscar. Antes, quem estava mais disposto a fazê-lo eram recém-licenciados, mas hoje é o contrário, são mais pessoas no mercado laboral há alguns anos que detetam oportunidades.
Falta também maior agressividade no mercado. Macau é um lugar que oferece muito conforto e este é outro problema. As pessoas em Macau depois de se formarem conseguem facilmente arranjar emprego, já que as empresas não têm recursos humanos suficientes, e isto torna-as menos competitivas e empreendedoras. Há algumas pessoas a arriscar, mas o ambiente leva as pessoas para o outro lado.
P.M. – A formação hoje disponível em Macau nesta área é suficiente e de boa qualidade?
G.C. – A questão da inovação está também relacionada com o conhecimento da indústria. Para certas áreas das tecnologias, é preciso Macau criar um melhor ambiente para se ganhar mais experiência e também há espaço para se melhorar a questão da formação.
Neste momento, Macau tem grandes oportunidades para formar pessoal comparando com o passado por causa da indústria do jogo, que é líder mundial e a tecnologia que usa é a melhor e a mais recente. Esta indústria está aberta a experimentar coisas novas. E julgo que já está muita gente de Macau envolvida neste processo e esta é uma boa oportunidade para os locais ganharem experiência nesta área da tecnologia.
OPORTUNIDADES NO JOGO E TURISMO
P.M. – Que oportunidades existem para explorar em Macau?
G.C. – O uso de tecnologias para ajudar a melhorar as operações tornou-se um ‘must’. Nos últimos cinco ou seis anos, cada vez mais empresas estrangeiras têm vindo para Macau porque encontram aqui boas oportunidades, nomeadamente no setor do jogo, e querem encontrar parceiros locais. Isso é uma boa oportunidade para os empreendedores locais. O ambiente está a tornar-se mais competitivo e as operadoras de jogo procuram conquistar a maior fatia possível do mercado. A tecnologia ajuda-as nessa tarefa e como essas empresas têm dinheiro, estão dispostas a investir.
Há, portanto, oportunidades na área das tecnologias de informação e comunicação, em infraestruturas, gestão de conteúdo, uso de redes sociais para compreender melhor o mercado, ‘business intelligence’. Por exemplo, o mercado VIP está a cair e, por isso, as operadoras querem hoje saber mais sobre o mercado de massas e a tecnologia ajuda-as nisso.
P.M. – As oportunidades para o desenvolvimento de tecnologias estão sobretudo no jogo?
G.C. – No jogo e no turismo. Recebemos cerca de 30 milhões de turistas, é um mercado muito grande. Mas a questão é que ainda estamos à espera de alguém que faça um bom uso desta oportunidade.
Por outro lado, Macau também pode ser uma montra de novas tecnologias, mas para isso também é preciso que alguém invista.
P.M. – O que falta então para que esta área venha a ter um maior peso na economia local?
G.C. – Julgo que já muita coisa mudou. De tempos a tempos, há empresas que tentam trabalhar nesta área, mas até agora ainda estamos à espera da história de grande sucesso. Penso que é preciso tempo e é preciso resolver problemas como a falta de recursos humanos.
Precisamos ver como podemos atrair mais talentos ou empresas da área bem estabelecidas. Existem infraestruturas, existe o hardware, o que é bom, mas precisamos de software. Se eu for um profissional de outro país, porque haveria eu de vir para Macau? Macau tem um bom ambiente para eu viver? Estou disposto a trazer a minha família? A educação para os meus filhos é de qualidade? Os serviços de saúde são bons? Neste momento, as condições não são ainda muito atrativas.
P.M. – Os jovens de Macau que querem estudar nesta área fazem-no normalmente no exterior e não regressam?
G.C. – Sem dúvida. Muita gente de Macau vai estudar para fora e não quer voltar. Apesar de termos uma indústria de jogo forte, temos menos oportunidades do que outros territórios, não temos uma economia diversificada, então não querem voltar.
P.M. – Que contributo pode dar a área das tecnologias para a diversificação económica de Macau?
G.C. – Antes era difícil encontrar empresas locais nesta área, mas nos últimos oito anos surgiram mais. O Governo e o setor privado conseguem hoje encontrar mais facilmente empresas locais que os ajudem a desenvolver produtos ou serviços, enquanto antes dependíamos de empresas da China continental e de Hong Kong.
Também trabalhamos na área de auditoria de sistemas de informação. Os setores público e privado usam hoje muito tecnologias de informação e, por isso, introduzimos a certificação ISACA em 2007 para profissionais desta área, temos hoje um capítulo de Macau. Antes talvez tivéssemos menos de cinco profissionais com esta certificação, mas hoje temos 135.
MACAU AQUÉM DE HONG KONG
P.M. – Hong Kong é uma concorrente forte nesta área?
G.C. – Penso que as maiores oportunidades de Macau estão relacionadas com o facto de fazermos parte da China e de sermos uma Região Administrativa Especial. E o Governo da China fará tudo para ajudar Macau e Hong Kong, tudo dependerá se estamos dispostos a aproveitar isso ou não. O mercado é grande e Hong Kong não será capaz de agarrar todas as oportunidades. Ainda há muitas oportunidades, mas tudo depende da vontade de Macau de as agarrar. A nossa infraestrutura de Internet é boa o suficiente? Não, de modo algum, quando comparamos com Hong Kong.
P.M. – E porquê?
G.C. – Não percebo porque é que não temos mais largura de banda para o mundo exterior. Por exemplo, uma oportunidade de negócio que podíamos explorar é um centro de dados. Se perguntarmos a uma empresa bem estabelecida se quer hospedar os seus dados na China, acha que ela está aberta a isso? Não acredito. E estará ela aberta a fazê-lo em Hong Kong? Sim. Portanto, se as empresas estão dispostas a fazê-lo em Hong Kong, de certeza que estão também dispostas a fazê-lo em Macau. Este é um grande negócio, porque todas as empresas querem investir na China, é o maior mercado do mundo, mas têm receio pelos seus dados. Portanto, querem hospedá-los num local o mais próximo possível da China, mas que tenha um sistema diferente. Então Hong Kong e Macau são bons sítios para isso.
P.M. – Por que razão Macau não está a explorar esta oportunidade?
G.C. – Não temos as infraestruturas para isso. O problema é que temos apenas uma linha que nos liga ao mundo, Hong Kong tem muitas. Se eu tiver uma companhia internacional, claro que vou escolher Hong Kong, porque Macau só tem uma linha. Precisamos de abrir os nossos braços ao mundo em termos de tecnologias de informação.
P.M. – Esta situação afeta a atratividade de Macau para as empresas internacionais?
G.C. – Sem dúvida que afeta. Mesmo se tivermos várias empresas de Internet no mercado, isso não faz diferença.
P.M. – E porque é que ainda não se melhorou a situação?
G.C. – Não percebo. Há anos que se fala nisto. Perdemos oportunidades assim, porque hoje vivemos no mundo digital.
LUSOFONIA PROCURA OPORTUNIDADES
P.M. – Um dos objetivos do centro é o estabelecimento de parcerias com empresas internacionais. O que tem sido feito neste contexto?
G.C. – Têm sido feito parcerias sobretudo com Hong Kong e a China continental. Também oferecemos serviços a empresas de outras partes do mundo que queiram explorar oportunidades de negócio em Macau, ajudamo-las a encontrarem parceiros, a conhecerem melhor o mercado local. Fazemos isto para encontrar potenciais parceiros para as empresas que incubamos, ajudando também o seu negócio.
P.M. – Têm sido estabelecidas parcerias com empresas lusófonas?
G.C. – Há algumas empresas lusófonas que já nos contactaram, nomeadamente de Portugal, porque procuram oportunidades em Macau, mas ainda não se fecharam negócios. Estes contactos começaram a registar-se de forma mais frequente nos últimos três anos.
Patrícia Neves