De acordo com o relatório da ONU citado na primeira parte desta abordagem sobre o ouro azul, a percentagem de água utilizada na agricultura tem tendência a crescer relativamente, uma vez que os mercados registam um incremento de 55% na procura global de produtos alimentares. O enriquecimento relativo das populações segue de par com a vontade de consumir mais carne, cuja produção importa em muito mais água do que a necessária para os vegetais.
Impõe-se, pois, a necessidade de equacionar o impacto da subida do preço da água na formação dos preços nos mercados de produtos agrícolas, agroindustriais e industriais. Para realizar este objetivo, podemos recorrer ao novo conceito de “água virtual”.
Consideremos, por exemplo, que para produzir uma libra de carne são necessários 13.000 litros de água; a mesma quantidade, melhor, o mesmo peso de trigo consome 1.300 litros, e se considerarmos uma libra de batatas teremos apenas de utilizar 100 litros de água.
Os consumos na índústria podem ser calculados aplicando o mesmo método: um (1) kg de um qualquer componente de computador consome o mesmo volume de água utilizado na produção de um (1) kg de trigo. Deste modo, é possível elaborar uma carta do comércio mundial que inclua o volume de água virtual gasto nos bens adquiridos e vendidos, e assim elaborar um mapa da projeção do impacto dos custos deste recurso progressivamente escasso na economia global.
O conceito de água virtual atribui a cada mercadoria comercializada uma determinada quantidade de água utilizada para a sua produção, pelo que podemos estabelecer a ‘origem’ concreta da água, bem como o seu ‘destino’ final.
Alguns países são importadores ou exportadores de água, o que de algum modo interfere no panorama do comércio multilateral. Por exemplo, sabemos quem são os países que fornecem água – EUA, Canadá, muitos países na Europa Ocidental – e os países que recebem estes recursos. Entre estes últimos, nesta rota da água virtual, avulta a República Popular da China.
No que se refere à indústria da água a nível global, cujo valor é estimado no intervalo entre os 400 e 500 biliões de dólares/ano, as ameaças aos métodos tradicionais não deixam de constituir uma fonte de novas oportunidades. Muitos investidores neste setor procuram adquirir lotes de terreno com milhares de hectares, afetando-os exclusivamente à prospecção e recolha de águas subterrâneas, instalam uma rede de distribuição (pipelines) e vendem o precioso líquido. É aqui que se radica a discussão sobre se um bem essencial como a água deve ou não deve ser encarado como uma outra qualquer mercadoria, e ter um preço, ou se, encarando-a como o ar que respiramos, deve ser gratuito.
Esta questão tem desencadeado debates crispados um pouco por toda a parte. Ativistas, e alguns governos, insistem que o acesso à água deve ser considerado um direito básico, e não uma questão de propriedade: “negar o direito à água é negar o direito à vida”, pode ler-se no texto fundamental do movimento de alerta “Water and Justice”.
Todos nós necessitamos de água para viver. Usamos água diariamente nas nossas vidas, seja para beber, no trabalho ou mesmo para diversão, sem no entanto nos apercebermos.
As estatísticas revelam bem esta nossa “miopia colectiva”, uma vez que o valor que retiramos da água excede largamento o preço que pagamos pelo serviço do seu fornecimento.
Analisando as quatro categorias nas quais os economistas dividem todos os “bens” que valorizamos, podemos deduzir que a água também pode ser classificada da mesma forma. A água pode ser utilizada como um bem privado, restrito a poucos, menos restrito ou público. Cada utilização sugere qual o mecanismo mais eficaz para a gestão da água. Na próxima edição iremos debater este assunto.
*Formado em Engenharia Química na Universidade de La Laguna. Actualmente, desempenha o cargo de Director Geral – Sector das Áquas