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QUANDO O CARTOON SE FAZ EM PORTUGUÊS

 

Até há bem poucos anos, era raro encontrar um cartoon feito exclusivamente para a imprensa portuguesa de Macau. Rodrigo de Matos chegou ao território em 2009, começou a por o dedo na ferida e a trazer cor aos jornais locais que, durante décadas, tinham vivido da contribuição de cartoonistas amadores. Na história dos cartoons em Macau está também inscrito o nome do jornalista João Guedes, que contribuiu para o início dos inícios deste género na imprensa portuguesa. 

 

Antes… os jornais recorriam ao trabalho de cartoonistas amadores

B3_1Buracos na rua, tufões a passar ou histórias de quem governava. Pelas mãos, lápis e mesa de luz de João Guedes também passaram nomes importantes da vida política do território: o Governador Vasco Almeida e Costa e Carlos Melancia. Pelo imaginário passaram ainda dois nomes da literatura portuguesa: nos desenhos de João Guedes, Camilo Pessanha e Luís de Camões passeavam pelas ruas de Macau e discutiam o que se passava na cidade.

Nesses anos 1980, poucos trabalhavam na área do cartoon em Macau. “Penso que o primeiro cartoonista português em Macau terá sido o arquiteto Jorge Graça, que fez também uns desenhos revolucionários na altura do 25 de abril. Creio que não havia mais ninguém”, nota o jornalista.

João Guedes chegou a Macau em 1981, deixando para trás uma carreira na área da investigação criminal na Polícia Judiciária para se dedicar ao jornalismo e à Teledifusão de Macau, onde trabalha até hoje. Pelo meio meteu-se a co-fundação de um jornal – o Jornal Tribuna de Macau. E meteram-se os cartoons, que foram aparecendo em várias publicações locais.

Era uma distração que tinha desde pequeno, quando rabiscava nas lousas dos tempos da primária. “Foi lançado o primeiro satélite artificial russo, eu estava na escola e fiz o desenho do Sputnik, saiu naturalmente”.

João Guedes, que se assume como um cartoonista amador, lembra-se que, já na altura estes desenhos faziam mossa. O desenho de Jorge Graça que retratava o Governador Almeida e Costa num rolo de papel higiénico foi a tribunal, recorda.

“Um dia lembrei-me de um diretor de serviços que fazia anos, então desenhei um bolo com uma vela, a chama era a cabeça dele e estava o secretário do Governo a apagar a vela. Na altura foi entendido como uma mensagem a informar que ia ser demitido. A verdade é que foi, mas eu não sabia de nada.”

Com os anos, João Guedes deixou os cartoons, mas nunca deixou de acompanhar a evolução “lenta” deste género “pouco cultivado” em Macau. “O cartoon chinês é substancialmente diferente do nosso, o humor não é o mesmo, a caricatura não é cultivada por questões culturais. Lembro-me que aqui há muitos anos, o António do jornal Expresso fez algumas caricaturas de pessoas chinesas de Macau. Não houve hostilização mas não teve qualquer efeito”.

 

Agora… continua a ser uma “linguagem pouco explorada”

B3_2Rodrigo de Matos fez o percurso improvável – de jornalista passou a cartoonista. “O cartoonista editorial é uma pessoa de artes com sentido de humor e alguma apetência para a análise noticiosa. O meu percurso é mais raro, sou uma pessoa de letras que depois aprende a linguagem do cartoonismo”.

As incursões no cartoonismo são antigas, desde os tempos do jornal Público, onde trabalhou seis anos como jornalista. Mas não saíam da gaveta. “Nessa altura faltava-me um traço mais profissional”. Por isso, deixou Lisboa e foi para Madrid fazer um curso de ilustração editorial. Quando regressou, foi bater a várias portas. “Na altura, o Expresso estava a investir no site e estava interessado em conteúdos próprios. Acabou por ser um encontro feliz”, conta. Corria o ano de 2007, votava-se pela segunda vez em Portugal na despenalização da interrupção voluntária da gravidez. Rodrigo pegou no tema. “As pessoas foram gostando, eu fui ficando”.

E a rotina de cartoonista deixou de assustar. “Aprendi vários truques para ir buscar as minhas próprias ideias, é uma especie de brainstorming que faço comigo proprio, uma espécie de esquizofrenia criativa induzida”.

Em Macau, onde vive desde 2009, tornou-se no primeiro cartoonista português profissional a colaborar de forma regular com publicações em língua portuguesa (Ponto Final) e inglesa (Macau Daily Times). “Aqui poucos têm contacto diário com esta linguagem ainda pouco explorada”.

Mesmo em Portugal, Rodrigo de Matos admite que ainda se “confunde muito o tema da piada com o alvo da piada”, ao contrário da cultura anglo-saxónica “onde há uma maior tradição do cartoon na imprensa”.

Para Rodrigo de Matos, o que se passou na redação do jornal satírico Charlie Hebdo não deverá alterar a postura dos colegas de profissão. “Os bons cartoonistas não se vão sentir afetados, mas ainda mais espicaçados”.

 

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