Um cenário de crispação, mas em surdina, está a caraterizar o ambiente interno no Partido Frelimo, após a saída de cena de Armando Guebuza enquanto Presidente da República.
Guebuza mantém-se como Presidente do Partido, um tradicional centro de poder em Moçambique. Até quando não se sabe. Mas o facto de o Governo do novo Presidente Filipe Nyusi carregar 11 figuras (que vêm da estrutura governativa guebuzista, para além de nove governadores provinciais, a maioria dos quais ex-membros do Governo central), mostra que ele mantém ainda uma boa quota de poder, mas, por outro lado, provocou o primeiro balde água fria na gestão Nyusi.
Se acrescentarmos a presidente da Assembleia da República (AR) (Verónica Macamo) e a chefe da bancada da Frelimo (Margarida Talapa) que são guebuzistas que transitaram da anterior legislatura, a perspetiva de um poder bicéfalo em Moçambique ganha mais corpo.
O Savana soube que não passou uma proposta para que Eneias Comiche assumisse a presidência da AR no sentido de dar mais qualidade à liderança do parlamento Este cenário não está a agradar à ala de Alberto Chipande, um dos dinossauros da Frelimo que assumiu há muito que, depois de Guebuza, era a sua vez de governar Moçambique (uma aspiração que radica num antigo pacto de sucessão entre as figuras proeminentes da Frelimo, nomeadamente Samora, Chissano, Guebuza e Chipande, sendo Nyusi, “sobrinho” de Chipande, o seu representante por excelência).
Nos bastidores, Chipande e os seus mais diretos apoiantes, onde se incluem figuras eminentes da etnia maconde, como Lagos Lidimo (antigo chede do Estado Maior General) Salésio Nyalapimbano e Atanásio Ntumukhe (ministro da Defesa de Nyusi), têm mostrado o seu desagrado relativamente ao enorme peso de Guebuza na governação. Chipande também é visto como o principal obstáculo à tentativa falhada de um terceiro mandato para Guebuza.
De acordo com fontes do Savana, uma semana antes da tomada de posse do novo Presidente, Chipande e aliados reuniram-se com Guebuza solicitando uma clarificação relativamente ao calendário da transição da liderança do Partido (para que Nyusi seja também o seu presidente). Guebuza, alegam as nossas fontes, não clarificou mas, pelo contrário, terá manifestado a sua intenção de continuar na liderança da Frelimo por mais algum tempo. Ao Savana foi dito que Guebuza recordou a Chipande que se estava perante um processo de mudança de gerações.
Uma interpretação sugere que a entrega de poderes a Nyusi não seria total, pelo menos a breve trecho. Ou seja, a transição geracional será um processo a conta-gotas. O grupo de Chipande terá saído desse encontro altamente revoltado: para eles, é urgente que se convoque uma sessão do Comité Central para que Guebuza seja convidado a renunciar e Nyusi seja eleito presidente da Frelimo.
O EXEMPLO DE CHISSANO
Se isso acontecer, será uma reedição do processo que elevou Guebuza ao cargo cimeiro partido em Março de 2005. Depois que tomou posse como Presidente da República, em fevereiro desse ano, Guebuza deixou claro que não permitiria que o seu poder na Ponta Vermelha fosse partilhado com o poder da comissão política, então liderada por Chissano. Uma sessão do Comité Central em Março de 2005 confirmou a sucessão, com a renúncia quase que involuntária de Joaquim Chissano.
O processo teve ondas, mas foi tão célere quanto Guebuza almejava. Chissano também não impôs resistência. E depois foi o que se viu: Guebuza começou a afastar tudo o que era vestígio mais saliente da estrutura governativa de Chissano, num processo que teve o momento mais alto no Congresso de Pemba em 2012. Segundo fontes do Savana, Guebuza prepara-se para mandar convocar a I sessão ordinária do Comité Central para o próximo mês de março.
Mas nalgumas hostes do Partido existe o receio de que ele não está ainda completamente disponível para ceder a liderança. “Parece que o Comité Central servirá para o presidente Guebuza reafirmar o seu poder no partido”, alegou a fonte. Enquanto essa incógnita prevalecer, aumenta também a predisposição da ala de Chipande de forçar a barra. Por isso, advinha-se um Comité Central bastante ruidoso. Uma reunião das principais famílias macondes próximas do poder havida na semana passada na Praia do Bilene (onde estiveram Chipande e as figuras mencionadas acima) confirmou essa predisposição.
Na reunião, o Presidente Nyusi ouviu da boca do seu “tio” Chipande algumas coisas desagradáveis, nomeadamente uma reprovação da forma como o Governo foi constituído, visando algumas figuras concretas. Uma fonte próxima dos círculos de Chipande disse-nos que a questão da sucessão também foi debatida. Seja como for, a perspetiva de uma transição geracional no controlo do partido Frelimo a breve trecho deve ser posta de lado. O perfil do Governo mostra isso. As investidas de Chipande também: indicam que ele pretende recostar-se como a sombra tutelar do “sobrinho”. No meio desta disputa entre dinossauros, Nyusi tem sido moderado, evitando confrontações, embora isso não signifique que ele não esteja, de mansinho, a tentar, onde for possível, eliminar as marcas e o estilo mais salientes do guebuzismo.
O facto de Gabriel Muthisse, antigo ministro de Guebuza responsável pela propaganda (através do famigerado G40) não ter sido totalmente preterido mostra isso. Mas Chipande tem outra perceção e pretende que Nyusi tenha um maior controlo do partido já nessa sessão do Comité Central. Porém, alguns frelimistas têm reservas quanto à estratégia a seguir e aconselham prudência. É que entendem que seria politicamente perigoso forçar já um Comité Central para discutir a sensível questão da liderança do partido, porque Armando Guebuza ainda controla parte significativa da máquina partidária e poderia sair reforçado.
Marcelo Mosse
Savana/Plataforma Macau