Melinda Chan lamenta a falta de iniciativa dos deputados locais e sublinha que “fazer uma lei e apresentá-la é algo que necessita de uma equipa para o fazer”. Em entrevista ao Plataforma Macau, a deputada eleita por via direta admite que, para já, se devem manter no plenário os deputados nomeados pelo Governo “por respeito a um acordo estabelecido há muitos anos entre portugueses e chineses”.
P.M. – Na sua opinião, que papel devem ter os deputados de Macau à Assembleia Legislativa (AL)?
M.C. – Estou agora no segundo ano do meu segundo mandato. Acredito que, como deputada, devo conhecer em primeiro lugar as necessidades da população de Macau. E depois, é claro, devemos ter algum conhecimento legislativo.
Neste período de rápido crescimento, as nossas leis estão atrasadas. Em Macau, temos legislação que está em vigor há uma, duas ou mesmo três décadas. Tentamos pressionar o Governo para apressar a renovação de uma série de diplomas para que estes se possam adaptar à realidade de Macau.
P.M. – Que nota daria ao trabalho dos deputados?
M.C. – Não posso analisar o trabalho dos outros deputados. Há quem diga que este ou aquele deputado não fará um trabalho suficiente, mas a verdade é que temos de perceber que essas pessoas tiveram o apoio de uma parte da população e isso quer dizer que esses indivíduos que o apoiaram acreditam no seu trabalho.
P.M. – Nem todos os membros tiveram o apoio da população. Existem deputados nomeados pelo Chefe do Executivo. No futuro, deveriam ser todos eleitos pela população?
M.C. – O sistema da distribuição de assentos na AL já é anterior à transferência de soberania. Na altura, portugueses e chineses fizeram um acordo, que estabelecia que alguns dos lugares no plenário seriam nomeados. Penso que o Governo português queria ter pessoas na assembleia, que pudessem representar a comunidade portuguesa. Mas também temos de ver que, em 1999, havia menos deputados. Aumentou-se o número de eleitos por via direta e manteve-se o número dos nomeados.
Esse acordo deve ser respeitado. Agora, se me perguntar se não deveriam ser feitas alterações, então esse é outro assunto.
P.M. – É deputada eleita pelo povo. Defende a manutenção dos nomeados?
M.C. – Fui eleita por via direta e claro que apoio a eleição por via direta. Só digo que devemos manter este sistema porque faz parte de um acordo estabelecido há muitos anos por portugueses e chineses. As alterações devem ser debatidas.
P.M. – Este debate tem estado na ordem do dia devido às declarações do deputado nomeado Fong Chi Keong [defendeu que “há quem goste de apanhar” e sugeriu que, em caso de conflito, a mulher deve “não refilar” para “não sofrer consequências”].
M.C. – Continuo a dizer que devemos manter os nomeados por respeito ao acordo. Mas, se se está a referir a determinadas pessoas, apesar de não podermos votar nesses deputados, a verdade é que acredito que o Governo saberá o que é que a população pensa sobre esta determinada pessoa e, portanto, da próxima vez [no processo de nomeação] terá isso em consideração.
E, claro que não concordo nem apoio a mensagem que o deputado fez passar na AL. Pode observar que, naquele momento, a totalidade dos deputados apoiava a ideia de que a violência doméstica deveria ser considerada crime público. Já todos tinham tomado uma decisão. Depois, o deputado Fong tem todo o direito de falar na AL.
P.M. – Acredita que o deputado transmitiu uma ideia ainda enraizada na sociedade de Macau?
M.C. – Penso que não. Podemos olhar, por exemplo, para o número de alunos universitários do sexo masculino e feminino, que é praticamente o mesmo. Os educadores reconhecem o direito ao estudo a qualquer dos filhos. Também no que diz respeito ao mercado de trabalho, não existe discriminação.
P.M. – O momento proporcionou risos de vários deputados. Na altura pensou retirar-se?
M.C. – As pessoas riram-se porque ficaram surpreendidas. E ninguém saiu porque tínhamos de lá estar. Esta discussão deu-se mesmo antes da votação. Tínhamos de votar a proposta de lei.
P.M. – O que se espera numa altura destas do presidente da AL?
M.C. – Repare, nesse dia o presidente não travou o discurso porque qualquer deputado tem o direito de falar. E ele estava a expressar a opinião da população, ainda que seja de uma minoria.
P.M. – Ainda em relação ao trabalho dos deputados. Sendo a AL o órgão legislativo de Macau, como vê a falta de iniciativa legislativa por parte dos membros? Pereira Coutinho é o único deputado que apresenta alguma iniciativa.
M.C. – Penso que outros deputados gostariam de apresentar propostas de lei na AL. No entanto, nem todos o sabem fazer. Mesmo que tenham conhecimentos legislativos, que sejam advogados, redigir uma lei e apresentá-la é algo que necessita de uma equipa para o fazer. Acredito que Coutinho tenha pessoas que o ajudem. Ele tem conhecimentos na função pública e talvez receba ajuda deste grupo de pessoas.
P.M. – Mas nunca são aprovadas.
M.C. – O conceito geral das suas propostas é bom, mas o conteúdo tem falhas, não é completo. Esta é a minha opinião.
P.M. – Mas deve haver mais este trabalho por parte dos deputados nesse sentido?
M.C. – Sim, claro. Se o conseguíssemos fazer, seria ótimo. Mesmo que as propostas não sejam aprovadas, só o facto de o fazermos seria já uma forma de pressionar o governo.
Mas devem ser propostas bem redigidas e claras, o que não é fácil pois precisaríamos de ter muitos assessores jurídicos para fazer leis. Esta tem sido a minha experiência nos últimos anos.
Gostaria também que a AL tivesse maior poder de fiscalização dos orçamentos dos projetos de infraestruturas de Macau. Temos vindo a observar elevadas derrapagens nos projetos. Temos de controlar os orçamentos e os prazos.
Catarina Domingues