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Afonso dos Santos * – OS FALSOS GENUÍNOS

 

Maputo (Canalmoz) – A Conservadora anuncia o nome do noivo, de nacionalidade moçambicana, trinta anos de idade, natural da cidade de Maputo, filho de pai e mãe naturais da cidade de Maputo. A seguir, a Conservadora anuncia o nome da noiva, de nacionalidade moçambicana, trinta anos de idade, filha de pai e mãe naturais da cidade de Inhambane. O noivo é aparentemente branco. A noiva é aparentemente negra. E no entanto, nem o noivo é branco, nem a noiva é negra. Cada um deles possui uma herança genética de misturas seculares.

Os noivos já são pais de uma menina, que é netinha de dois pares de avós que são, todos eles, titulares de passaporte moçambicano, exclusivamente, isto é, não possuem nenhum outro passaporte, nunca residiram fora do país e também não possuem propriedade no estrangeiro. Todos estes elementos fazem desta netinha uma genuína representante da moçambicanidade.

Todavia ,andam por aí a levantar a cabeça uns falsos genuínos parados no tempo, que confundem a República de Moçambique com uma espécie de restrita “zona libertada”, subjugada pela força das armas, no interior dum território colonizado. Moçambique é uma extensa língua de terra à beira-mar. A extensão vertical da sua costa é substancialmente maior do que a largura do território. O mar é uma estrada larga de ligação ao mundo, que dá origem a sociedades cosmopolitas. Sem o mar, Moçambique não é Moçambique. Em suma, essencialmente a moçambicanidade é índica, é marítima. Segundo uma versão da História, o próprio nome do país tem uma origem que veio pelo mar. Mas os falsos genuínos querem repudiar o que vem pelo mar. Há um modo fácil de identificar os falsos genuínos: todos eles têm um cordão umbilical que os liga diretamente a negócios com estrangeiros. Todos eles são sócios de estrangeiros. Basta consultar o Boletim da República, III Série, para ficar esclarecido.

Há um outro modo ainda mais fácil de os identificar: eles aparecem frequentemente em fotografias e na televisão, sentados ou em pé, lado a lado com os seus patrões estrangeiros, geralmente brancos ou amarelos, a quem chamam “investidores”, e a quem vendem a retalho o país que pertence a todos os moçambicanos, mas que os falsos genuínos usurparam. Enquanto isso, para tentar mascarar esta realidade, os falsos genuínos lançam campanhas racistas para uso doméstico, tendo como objectivo lançar areia para os olhos daqueles a quem gostam de chamar “as comunidades” e “os populares”, e que, em discursos insidiosos, são promovidos à categoria de “maravilhoso povo”, para aumentar o ludibrio.

De resto, um dos principais indicadores que demonstra que os fictícios “genuínos” são falsos genuínos é a sua ideologia racista, porque o racismo, com toda a certeza, não pertence à moçambicanidade. O racismo é uma ação política do nível mais rafeiro, não é uma identidade social.

Na República de Moçambique, não há registo de ações organizadas e coletivas racistas. Pelo contrário, Moçambique é um país em que se fez um intenso combate contra o racismo, após a proclamação da Independência Nacional. A prática do racismo como ação organizada e institucional pertence ao período do colonialismo e ao período atual do neocolonialismo.

Entretanto, os falsos genuínos esquecem-se de explicar porque é que, no seu regime, é quase impossível, quando se entra numa loja, encontrar um caso em que o dono da loja seja um moçambicano negro. O dono (ou a dona) da loja, se é moçambicano, não é negro, e, se é negro, não é moçambicano.

No regime dos falsos genuínos, as moçambicanas e os moçambicanos negros podem vender sentados no chão – que é a posição que lhes é ensinada nas escolas da “autoestima” –, no máximo podem ter uma banca ou uma barraca, mas loja com vitrina, isso está reservado para os outros. A política dos falsos genuínos representa, afinal, o regresso do passado em grande força, montado num tambor ornamentado com maçaroca.

Frequentemente, uma campanha racista é apenas a sessão de abertura de uma campanha tribalista de maiores dimensões. As formas específicas de racismo são apenas uma manifestação secundária desse tribalismo.

E não é por acaso que já apareceu um editorial dum jornal defendendo a tese de que há uma tribo que merece um direito especial de designar um candidato à Presidência da República. O argumento apresentado é o de que essa tribo lutou mais – mesmo que o seu candidato, pela sua idade, só pudesse ter sido um guerrilheiro infantil – e, por isso, merece ter privilégios. Ou seja, entre os “genuínos”, há depois uns que são “mais genuínos” do que outros. E o critério para medir o grau de “genuinidade” é o uso da violência armada. Quem usa mais violência é “mais genuíno”. Não é difícil perceber que esta é uma lógica própria de bandidos. E é isso a moçambicanidade?

A moçambicanidade não se confunde com a doença dos falsos genuínos, que tem como sintoma o vício de usurpar o que pertence a todos. E essa doença tem um nome: cleptomania genuína.

* Canal de Moçambique

 

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