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TEMOS DE SER PRAGMÁTICOS E AGRESSIVOS

 

Nelson Ocuane, presidente da Empresa Nacional de Hidrocarbonetos (ENH) fala dos desafios da liquefação de gás em Moçambique. 

 

As negociações entre o Governo e a ENI (área 1) e Anadarko (área 4), que operam na bacia do Rovuma, estão na fase mais decisiva, depois de vários meses de tensões sobre algumas opções de investimento e aspetos do quadro legal nacional. As multinacionais acabam de vencer uma batalha: o Governo vai produzir um decreto-lei que declarará como inaplicáveis a estes dois projetos alguns artigos constantes na Lei de Trabalho e se comprometerá em não mexer no quadro fiscal e noutra legislação relevante até ao fim da produção. Para o efeito, o Governo já remeteu à Assembleia da República um pedido de autorização legislativa, que será debatido na presente sessão. O Decreto-Lei será uma espécie de garantia de estabilidade jurídica, essencial para as companhias mobilizarem financiamento e tomarem a chamada decisão final de investimento. Numa entrevista ao SAVANA, o PCA da Empresa Nacional de Hidrocarbonetos (ENH), Nelson Ocuane, diz que 2018, ano previsto para o início da exportação do gás liquefeito, ainda não está em risco, uma perspetiva otimista que contrasta com o ceticismo de alguns atores da indústria. E a intenção da italiana ENI em avançar com uma fábrica de gás natural liquefeito (LNG) flutuante está descartada. Eis os extratos relevantes da entrevista.

 

Sabemos que o Governo vai fazer algumas concessões nas negociações com a (americana) Anadarko e a ENI. Quais são? 

NELSON OCUANE – Os contratos com a ENI e Anadarko foram celebrados em 2006, prevendo pesquisa, produção e comercialização do gás ou petróleo que for descoberto. Neste momento, estão a ser discutidos aspetos que visam permitir o desenvolvimento do projeto. Existem requisitos básicos para que um projeto desta magnitude arranque. Estamos a falar de um projeto cujo investimento inicial é de 40 mil milhões de dólares. Isso é o mínimo necessário para erguer as quatro unidades de liquefação de gás em Palma. Para fazer este investimento é preciso ter um comprador e, normalmente, estes assinam contratos de longo prazo (25 anos) com recurso à banca, que exige garantias. Os compradores do gás também exigem algumas garantias, nomeadamente a de que esse produto vai ser fornecido nesse período.

 

Que aspetos concretos a ENI e a Anadarko estão a negociar com o Governo? 

N.O. -Neste momento, os grandes aspetos que têm sido discutidos são operacionais, relacionados com o regime de trabalho e estabilidade do investimento.

De que estabilidade está a falar?  

N.O. – Estabilidade do próprio projeto. As condições em que o projeto é aprovado mantêm-se ao longo da sua duração, de tal forma que garantem que se faça o investimento.

O que se pretende em relação à Lei do Trabalho? 

N.O. – Sei que o Governo vai emitir um Decreto-Lei para anular as prerrogativas sobre o regime de quotas na contratação de mão-de-obra estrangeira… O projeto vai necessitar de sete mil pessoas para a construção de uma unidade de liquefação. Serão quatro unidades. Isto pressupõe técnicos com especialidade em várias matérias. A questão das quotas vai ser observada à medida que o conhecimento é transmitido para o lado moçambicano. Sendo primeiro projeto, ainda não temos esse conhecimento, por isso estamos a trabalhar com vista a treinar pessoas para que tenham as competências necessárias. Outro aspeto está relacionado com os horários de trabalho, porque em projetos desta natureza trabalha-se em turnos médios de 12 horas rotativos. As decisões sobre estas matérias devem ser tomadas de forma célere. Se formos morosos isso vai onerar o projeto e aumentar o risco, que terá que ser pago pelo custo de financiamento ou pela incapacidade de alavancar capital. Portanto, é preciso que haja uma autorização legislativa para acautelar todos os aspetos que forem identificados. Até agora foram identificados os aspetos que preocupam os financiadores e que podem inviabilizar o processo.

 

A questão do acesso à terra é uma delas. As negociações estão lentas, já levam dois anos. Há condições para que o Governo aprove os projetos da ENI e da Anadarko antes das eleições? 

N.O. – Os investidores precisam de ter a autorização legislativa para começarem a negociar o financiamento. Essas negociações levam 18 meses desde o seu início à sua conclusão. Quanto mais tempo perdermos, atrasamos o fecho financeiro, criando-se uma cascata de atrasos que podem comprometer as exportações em 2018. Outro aspeto a observar é a perspetiva do investidor, e o Estado é também investidor, quanto ao início da produção. Se atrasarmos, perderemos mil milhões de dólares anuais.

 

Esse valor tem a ver com o custo do investimento, que vai ser deduzido das receitas futuras? 

N.O. – Sim. Chamam o tempo do dinheiro. Ter dinheiro hoje e amanhã é diferente. Se eu começo a ter as receitas em 2018 vale-me o que vale. Se eu começo a ter em 2019, estarei a penalizar o país.

 

A partir de quando o país começa a perder em resultado de atrasos? 

N.O. – As vendas são feitas depois de se ter a decisão final do investimento. E esta decisão do investimento depende de dois aspetos. O primeiro é a segurança de que a produção vai começar no ano aprazado. Existem alguns acordos que permitiram identificar o potencial mercado. O consórcio é composto por produtores (ENI, Anadarko, ENH) cujo ‘core business’ é a produção, mas também temos que ter em conta o interesse dos compradores (o Japão, a China, a Tailândia e a Índia), que são grandes consumidores mas que têm de garantir os seus mercados. Por isso, todos querem segurança no projeto, nomeadamente que o mesmo vai arrancar no período estabelecido. Outro aspeto é ditado pelo mercado, que está em condições de absorver 240 milhões de toneladas de gás por ano. Isto significa que qualquer contribuição que for dada para o mercado deve ser olhada sob o ponto de vista de concorrência. Temos que ver quanto gás o mercado ainda está em condições de absorver. Um atraso na entrada no mercado global pode fazer com que tenhamos de nos limitar à produção das quantidades que o mercado nos permitir. Existem, neste momento no mundo, três focos que poderão garantir o equilíbrio energético.

O grupo do leste de África (Moçambique, Tanzânia e Quénia); os Estados Unidos com o seu gás de xisto (que pode ser encontrado preso dentro de formações de xisto argiloso) e a Austrália. Os três projetos não devem entrar na mesma altura por causa do mercado e da disponibilidade financeira. O mundo também não tem recursos financeiros infinitos e acredito que se está a concorrer, para os próximos, a não mais do que 100 mil milhões de dólares disponíveis para investimentos desta natureza. Então nós, como país, temos que nos colocar como concorrentes num mercado global competitivo, e por isso, é necessária uma ação pragmática não só dos investidores como também do próprio Estado moçambicano.

 

Quando é que se espera uma decisão final de investimento (DFC) por parte dos investidores? 

N.O. – A decisão final de investimento depende dos investidores, mas eles precisam garantir os financiamentos, fechar todos os contratos de compra e venda de gás e os respetivos planos de desenvolvimento e só depois disto é que se submete ao Conselho de Ministros para a aprovação. Só depois dessa aprovação do Governo poderão fazer as suas DFC. Mas existem duas componentes, uma financeira, que vai dar a viabilidade económica do projeto, e outra técnica relacionada com as infraestruturas. Na perspetiva do investidor, quanto mais cedo se tomar a DFC melhor, pois o mercado passa a olhar para mim como um projeto e não como uma ideia apenas. Para o país, isso também é relevante pois, a partir daí, aumenta a nossa capacidade negocial e permite mobilizar interesses e todo um conjunto de oportunidades de fornecimento de serviços, com um potencial enorme de subcontratações, geração de emprego e desenvolvimento da agricultura, que será muito alavancada.

 

Em que estágio está a questão da autorização legislativa? 

N.O. -A proposta foi apreciada pelo Conselho de Ministros e acredito que já tenha sido submetida à Assembleia da República para a sua discussão.

 

Como é que olha para as divergências entre a Anadarko e a ENI em relação à unitização do poço que têm em comum?  

N.O. -A unitização é uma questão técnica. Não existe o aspeto físico. Sempre que dois corpos se estendem para além de áreas de concessão, as práticas internacionais e a Lei de Petróleos preveem a unitização. Os dois concessionários, tanto o da Área 1 (Anadarko) assim como o da Área 4 (ENI) têm interesse que haja unitização sob pena dos aspetos económicos serem colocados em causa. Existe também a questão da partilha de infraestruturas, que tem sido debatida de uma forma isolada.  E sobre isso já houve um acordo de unitização entre as duas partes, nomeadamente sobre como é que se produz o reservatório. Mas existe um  aspeto em discussão que é a forma de gestão do reservatório para garantir que os dois mantenham as suas perspetivas económicas. E, para casos desta natureza, o princípio de unitização exige que haja um único operador.

E para que isto aconteça é preciso que o campo esteja em produção, daí que a celeridade do projeto é fundamental e a necessidade de partilha de infraestruturas.

 

Isso já está acordado? 

N.O. -Sim.

 

Pode esclarecer a questão do interesse da ENI em avançar com uma fábrica no alto mar? 

N.O. -A infraestrutura de produção está prevista para Palma, que vai produzir cinco milhões de toneladas por cada uma das quatro unidades de liquefação. Duas unidades serão construídas pela Anadarko e duas pela ENI. Teremos uma capacidade instalada de 20 milhões de toneladas por ano com possibilidades de expansão dependendo das condições de mercado e dos aspetos económicos.

 

Quanto tempo vai durar a produção, tratando-se de recursos esgotáveis? 

N.O. -Os contratos preveem uma produção ao longo de 25 anos.

 

O que está previsto para o alto mar em termos de infraestruturas? 

N.O. -O Governo não vê com bons olhos a ideia de uma ‘floating LNG’… Vamos olhar para a ‘floating LNG’ como uma tecnologia alternativa… Que no mundo ainda não existe, a primeira ainda está em construção… A Malásia já está em processo de uso. Tem pequenas unidades no alto mar. E no caso de Moçambique… creio que a ENI pretende testar essa tecnologia… Eu olhava de uma forma diferente. Eu costumo dizer que vamos olhar para o país, como ele quer se posicionar na região e no mundo. Nós não podemos estar sempre a admirar os outros. A tecnologia tem de ser testada. Agora, a viabilidade económica do projeto é que vai determinar se se avança agora ou não. O que não pode acontecer é qualquer iniciativa colocar em causa o desenvolvimento do projeto ‘on-shore’, em Palma.

 

Então esta ideia da ENI de uma ‘floating LNG’ não vai passar? 

N.O. – Absolutamente não. Também ainda não temos uma proposta concreta apresentada ao Governo para analisar objetivamente. O que tem estado a acontecer são opções discutidas tecnicamente ao nível da ENI com os parceiros do consórcio, mas que ainda não foram apresentadas ao Governo.

O receio do Governo em relação à opção da ENI baseava-se no facto de uma ‘floating LNG’ ser menos geradora de emprego, de infraestruturas,  de oportunidades de negócios e, em suma, de ligações empresariais com incorporação do conteúdo local, se compararmos com uma unidade em terra. No início, a Anadarko e a ENI queriam avançar para a ‘floating LNG’ porque é rápida (construiu, instalou e produziu), mas dissemos que tinha que se colocar em terra para permitir o desenvolvimento de infraestruturas. A floating LNG, apesar de não ter sido aprovada, não foi totalmente afastada. Se se demonstrar que é economicamente viável.

 

Marcelo Mosse

Exclusivo jornal Savana para o Plataforma Macau

 

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