Quando o mundo pouco falava da lusofonia, já um jovem assistente da Universidade de Coimbra se movia em Poitiers, França, entre professores universitários e investigadores que discutiam a língua, literatura e culturas de expressão portuguesa. A Associação Internacional de Lusitanistas, celebra este ano o 30º aniversário. Carlos Ascenso André, membro fundador e hoje coordenador do Centro Pedagógico e Científico da Língua Portuguesa do Instituto Politécnico de Macau, vai participar para a semana no XI congresso desta associação em Cabo Verde. Pode ser o primeiro passo para os Lusitanistas se virarem para oriente, considera.
PLATAFORMA MACAU – Faz parte da Associação Internacional de Lusitanistas. Vai estar este mês no congresso, em Cabo Verde?
CARLOS ASCENSO ANDRÉ – Sim, vou regressar ao fim de 18 anos. A Associação foi fundada em 1984 em Poitiers em França, era eu um jovem assistente em Coimbra. Surgiu a oportunidade e ofereci-me para ir lá fazer uma comunicação. Acontece que no congresso – talvez por eu ter um feitio um pouco desassossegado – nas questões da organização meti-me em tudo, falei talvez mais do que devia, apareci mais do que era expetável e saiu-me na rifa ser eleito segundo vice-presidente, o que não era expetável para alguém que era um jovem assistente.
Entusiasmei-me com a associação e a partir daí o meu entusiasmo foi grande. Estive nos congressos todos iniciais: Poitiers, Leeds, Coimbra. Em Leeds, a associação esteve quase a morrer e eu, numa tentativa de salvá-la levei-a para Coimbra no terceiro congresso. Este foi de facto um congresso refundador porque foi muito procurado. Dali passámos a Hamburgo, depois a Oxford e aí, em 1996, abandonei a associação porque estive seis anos fora da universidade, exerci uma função pública em Portugal [governador civil do Distrito de Leiria] e achei que não me devia estar a meter em mais nada.
P.M. – Que tipo de associação é esta?
C.A.A. – Uma associação de professores universitários e investigadores que se dedicam a áreas relacionadas com a língua, literaturas e culturas de expressão lusófona e isso pode envolver história, política, sociologia, estudos da mulher e outras áreas. É uma associação que reúne pessoas de todo o mundo e que foi crescendo. Hoje projetos muito válidos. É uma associação que se precisa de voltar para aqui. A expressão dela nesta parte do mundo é ainda muito limitada.
P.M. – Tem representantes em Macau?
C.A.A. – Não conheço. Há salvo erro um membro chinês, mas não há grande peso do oriente nesta associação. Tem de dar o salto para cá. Talvez a minha ida vá ter esse papel, trazer a associação para o oriente.
P.M. – A associação foi criada em 1984. A lusofonia era um conceito que já se discutia nessa altura?
C.A.A. – Já, mas o paradigma não era este. O que dominava eram as culturas, literaturas e a filologia. Ainda estão na nossa memória os nomes dos grandes lusófilos do mundo. Sem querer recuar ao século passado – ao Wilhelm Storck, um dos maiores estudiosos de Camões – eu era um adolescente no ensino secundário e a primeira vez que tive de fazer um trabalho sobre Frei Luís de Sousa usei a história do teatro português da Luciana Stegagno Picchio, que vim a conhecer muito mais tarde.
Se juntarmos à Luciana Stegagno Picchio o grande Charles Boxer ou um francês como o Paul Teyssier – estudioso da literatura portuguesa e reitor da Universidade Paris Sorbonne – a lusofonia era de facto objeto de estudo em todo o mundo.
P.M. – Mas refiro-me à lusofonia de hoje, o bloco dos países de língua portuguesa.
C.A.A. – Sim, já era. Este conceito político de lusofonia nasceu quando começou a germinar aquilo que depois conduziu à CPLP, mas repare que para passarmos a esse conceito foi preciso primeiro que os novos países de expressão portuguesa fizessem as pazes com o passado, que significava pacificar-se com a cultura que os ocupou e da qual são de alguma forma herdeiros. Foi preciso primeiro esperar que a poeira assentasse nestes países.
Mas sim, era [um conceito que se discutia] por uma razão, porque existiam dois países onde o português era importante e onde não havia resquícios dessa questão colonial: Portugal e Brasil. E o Brasil já era significativo. Quando estes estudiosos todos apareceram – para não falar de grandes vultos portugueses que eles estudaram, como o Pessoa e o Camões – já tinham acontecido no Brasil o José de Alencar, o Machado de Assis, Graciliano Ramos. Sobretudo na Europa e nos Estados Unidos da América, é natural que começasse a haver muita gente a querer estudar este fenómeno que era a cultura lusófona.
Mas não se tinha chegado ainda a este conceito da lusofonia desta forma porque se fosse utilizado antes da descolonização implicava acessoriamente este anátema de colonialismo. E hoje ele não tem.
P.M. – E que reflexão faz hoje deste conceito?
C.A.A. – Vejo de uma forma muito otimista. A língua portuguesa é a quinta língua do mundo. É falada por milhões de pessoas e nós às vezes só vemos isso quando pensamos em Portugal, Brasil, Angola, Moçambique e os países mais pequenos, incluindo Timor. Mas é preciso também dizer que a seguir a Lisboa, a cidade onde há mais portugueses é Paris. Se nós pensarmos nessa outra lusofonia que acontece em resultado da diáspora, nós temos que concluir que o português tem um peso significativo em todo o mundo ocidental e também um pouco no mundo oriental. Eu vejo com muito otimismo e Macau é um exemplo disso.
Catarina Domingues