Início Opinião José E. Isaac – CONTEXTO DIFÍCIL

José E. Isaac – CONTEXTO DIFÍCIL

Dois dos temas fundamentais da agenda politica de Macau – a relação com os países lusófonos e a diversificação da economia – aparecem frequentemente associados. Quer isto dizer: existe a expectativa, explícita, de que o papel a desempenhar por Macau nas relações entre a China e os países lusófonos tenha efeitos positivos em termos da variedade das atividades económicas da região. E tal supõe, naturalmente, que estejamos a falar de atividades que caem fora do órbita normal dos serviços de algum modo associados ao jogo. A diversificação significará assim, não necessariamente uma alternativa ao desenvolvimento do jogo, antes uma via adicional de desenvolvimento resultante da atração e instalação de negócios não relacionadas ou, pelo menos, não essencialmente dependentes do desempenho dos casinos.

Tal diversificação teria a vantagem de proporcionar à economia local fontes alternativas de rendimento e tornava-a mais resistente a eventuais perturbações ou contrações no crescimento do setor do jogo ou de alguns dos seus operadores principais. Estas perturbações, se e quando acontecerem – e tarde ou cedo acontecerão, parece ser da natureza das coisas – poderão produzir efeitos negativos de grande intensidade ao nível das numerosas empresas que, direta ou indiretamente, fornecem os bens e serviços de que o setor do jogo necessita. O setor é fonte de um grande volume de aquisição de bens e serviços a terceiros; uma crise, e muitas das empresas fornecedoras poderiam passar por situações de grande dificuldade e, possivelmente, arrastar consigo condições sociais de alguma gravidade.

A ligação dos dois objetivos – aprofundamento das relações com os países lusófonos e diversificação da economia – tem, pois, mérito. Ela é, em abstrato, desejável e plausível. Ademais, ela busca identificar e consolidar sinergias entre dois objectivos político-económicos importantes, o que deverá ser, em princípio, favorável à concretização de ambos. Vistos pelo prisma da sua coerência interna, parecem estar a reunir-se condições para esperar um sucesso na implementação daqueles objetivos políticos maiores. Acresce que a vontade política tem sido sucessivamente reiterada e os instrumentos de prossecução e operacionalização dos objetivos vêm sendo criados ou prometidos. Podemos esperar, então, que as relações com os países lusófonos funcionem como uma alavanca, proporcionem um impulso à diversificação da economia de Macau? Mesmo supondo que as políticas são levadas a cabo da forma consistente e com os recursos adequados, tal não se pode considerar garantido.

O sucesso de uma ideia ou objetivo político não depende só da sua bondade ou do nível de recursos usados. As intenções e ações dos diversos agentes inserem-se numa realidade concreta, eles decidem em função de múltiplas variáveis. Suponhamos que uma empresa conclui que sim, é do seu interesse instalar-se em Macau: que condições concretas se lhe deparam? E, em particular, quais os seus custos locais de operação? Nos quais, inevitavelmente, os recursos humanos e os custos da instalações pesarão fortemente.O mercado de trabalho local já não dispõe sequer de trabalhadores, em quantidade ou com qualificações adequadas, para responder ao crescimento dos seus setores mais dinâmicos. Estes competem entre si por uma mão de obra qualificada relativamente escassa, que se vai crescentemente concentrando no jogo e atividades satélites. Em parte por isso mesmo, os custos salariais são comparativamente elevados. Acresce que a política de importação de mão-de-obra é restritiva e impõe custos e atrasos adicionais quando se trata do preenchimento de vagas por não-residentes.

O mercado imobiliário, por outro lado, está ao rubro. Isso levanta dois problemas a quem se queria instalar cá. Por um lado, os custos diretos da instalação de escritórios são elevados – e não falamos sequer de unidades de produção, cuja instalação é quase impossível conceber. Por outro, essa situação aumenta a pressão sobre os salários, seja para permitir a instalação dos trabalhadores que venham do exterior, seja para ajudar a fixar os locais.

Por outras palavras, existem estrangulamentos sérios ao nível dos recursos humanos e das instalações. Não é difícil conceber que outras localizações, nas proximidades, possam oferecer condições, quer de contratação de trabalhadores qualificados, quer de funcionamento e instalações, a custos bastante mais competitivos.

José E. Isaac,Economista e Professor Universitário

 

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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